Não sei muito bem de
que ano essa lembrança afetiva de fato ocorreu... Esse barulho que me
despertava pelas manhãs e que vinha do corredor até chegar ao quarto é uma das
primeiras lembranças que recordo ter com minha Vevé. Esse barulho era como um
relógio que me despertava com prazer, uma mamadeira com toddy que tomava ao
acordar enquanto ainda via desenhos na TV. Como era bom... Talvez, desde esse
momento me identificava com o Cazuza em sua camiseta que dizia: prefiro toddy
ao tédio.
Criança não precisa de
muita coisa para sentir prazer, está aberta, sem crostas que depois vão
exigindo que os prazeres se façam de maneira mais sofisticada e que, por vezes,
nos impedem de sentir bons afetos com simples momentos. Simples momentos que
minha Vevé sempre me possibilitava. Um deles ocorria quando passeávamos de
ônibus na intenção de visitar minha mãe no trabalho, onde sempre dormia no
caminho nas suas gordurinhas que pareciam um travesseiro confortável.
Fui crescendo com a sua
companhia, com seus variados doces e comidas que nunca terão comparação com os
de qualquer outra pessoa. Suas mãos eram mágicas... E isso não sou eu, neto
apaixonado que falo, todos que a conheceram sabem do que estou falando.
Cremucho, panqueca, suco de uva, pão caseiro, nega maluca, massas, bifes,
tortas, lista infinita de alimentos que não continham apenas a nutrição propriamente
orgânica, mas um afeto saboroso que me nutrirá durante toda a vida.
Agora ela partiu e,
rapidamente, como nos inspira novamente Cazuza, me vejo perdendo algo coisa, um
afeto ingênuo, caloroso, que me acalentava a cada instante de medo que passava quando
criança, algo que ficará guardado para enfrentar os momentos difíceis que a
vida a todo instante nos coloca a prova. Que paradoxo! Ao mesmo tempo em que a
guardo em mim e me sinto repleto dela, minha alma se esvazia a cada momento que
me dou conta de que ela não está mais aqui...
Perdi um dos meus lados
mais doces e estou com fome...