Ontem pela noite, ao me deparar com a profunda vontade de fazer nada,
acabei por ligar a tv. Nem lembrava mais dos dias em que se passavam os filmes
da líder de audiência, no entanto, me deparei com um filme do qual já ouvira
milhares de vezes pessoas comentando. Na maioria delas, de maneira a
descrevê-lo como algo bem “doido” e legal, assim como também, já ouvi gente
relacionando-o com a física quântica e sua famosa frase de que “uma borboleta
batendo as asas no Japão mexeria com a força das ondas do mar latino
americano”. Se não é bem assim a frase, é quase isso...
A película retrata em grande parte o desejo de todos de poder voltar ao
passado na tentativa de garantir um presente perfeito, mais sereno, tranqüilo e
feliz. Quem nunca se imaginou voltando ao passado e fazendo sua vida de outra
maneira? O que é perturbador, e completamente diferente de um filme antigo de
idas e vindas a mundos paralelos (De volta para o Futuro), é que neste, o final
da aventura nunca é apaziguador e perfeitamente feliz. O destino do garoto muda,
mas não da forma que ele tinha planejado. O caos sempre joga junto com o
sujeito os dados do destino - efeito borboleta!
A grande sacada que podemos tirar do filme pode ser assimilada a partir
do conceito nietzscheano de amor fati
- amor ao destino. Não importa o que se vive, como as coisas procederam, como
as coisas se consolidaram na vida a partir das ações tomadas, mas, sim, na
maneira em que se aceita “pelear” nos acontecimentos efetivados em vida. No
querer o seu destino sempre e de maneira infinita. No perpassar pelas
mesmíssimas coisas infinitamente para sempre com a mesma afirmação de querer.
Ora, com um desejo assim, como alguém iria se dar ao luxo de “errar” em
suas escolhas de vida? É somente desejando de maneira infinita o próprio
destino que o criamos originalmente. Amamos o destino e, neste caso, já não se
tem certo ou errado em tal percurso, já não é importante o que se efetivou
enquanto vida, mas, a intensidade de vida que se colocou em tais avanços na
mesma. Vida criativa do amor fati...
A questão é: conseguimos ser capazes de desejar com tanto desprendimento
a vida, não se importando mais para o que deu certo ou errado? Imagino que não,
ao menos, na grande maioria do tempo. Afinal, como comentei no início do
presente texto - de que por certo todos já se imaginaram voltando ao passado
para consertar seus pretéritos imperfeitos - podemos ver o quanto tentamos ver
possibilidades de fuga do destino que se efetivou. Reféns de um passado
lamentado, lamúrias sussurrantes do passado que enraízam o sujeito na tristeza
errada que se transformou o presente.
O interessante nesta história toda é que no mundo contemporâneo, além de
cairmos em crises de lamúrias por um passado perdido e inesistente (melancólico
clássico ou mesmo um típico fado português), ainda temos de maneira mais
discernida, a ciência de que o passado retocado, mudado e transformado no que
seria ideal não dá garantia nenhuma de felicidade e de certeza de que nada dará
errado. O mundo contemporâneo se caracteriza por uma verdade que desliza, que
nunca é encontrada e efetivada. Nele se diluiu a partir de seu processo de
subjetivação um mundo romântico de final feliz, de verdades e certezas que hoje
em dia parecem mais com ingenuidades. Nesta diluição das verdades, do
enfraquecimento e mesmo da diminuição de uma identidade no sujeito contemporâneo,
vemos o mesmo dançando entre seus fracassos na medida em que, ou fica a
lamuriar seu presente insatisfatório devido a ações passadas, ou se vê
desamparado na impossibilidade de produzir seu futuro devido a potência que o
plano de virtualidades lhe oferece. Ora, não se tendo mais instituições
“fortes” que lhe digam o caminho “certo”, o homem contemporâneo se encontra
perdido para tomar para si tamanha liberdade. O que fazer então com os efeitos
produzidos por anos de domesticação que despotencializaram o sujeito enquanto
ser liberto? O que fazer para que as escolhas feitas pelo sujeito indeciso com
seu tamanho desamparo não se tornem um fardo quando o mesmo olhar para elas já
em um passado efetivado? O desamparo que atravessa o mundo contemporâneo se mostra
através de sua cara tensa e espantada rumo as possibilidades de escolhas que a
vida efetua enquanto destino.
A questão é saber se o efeito borboleta que desejamos transcorre a partir
da produção de desvios no que já se passou, voltando então ao passado para se
ter um novo presente, ou, se o efeito borboleta que desejamos se passa na
criação de desvios a partir dos processos de atualizações do mundo virtual, ou
seja, do mundo em potencial que está aí para se efetivar nos processos mundanos.
No caso do primeiro, um processo de olhar para traz na tentativa de apagar
pegadas malfeitas, no segundo caso, processo de afirmação das pegadas que se
vai marcando na estrada da vida.