segunda-feira, 25 de março de 2019

Sobre o fascismo de cada dia

Em o mal estar na cultura, Freud elencara três aspectos que produzem sofrimento no humano, a saber, a falência do corpo, os desastres naturais e a comunicação nas relações humanas. A última seria a única que a psicanálise poderia ofertar escuta,  no caso, acolher a dificuldade existente na interação comunicativa entre um sujeito e o outro, e suas possíveis decorrências discursivas que produziria o singular/sintoma em cada um. Buenas, sabemos que isso é impossível de se curar, pois este hiato existente entre o eu e o outro é,  ao mesmo tempo tenso e destrutivo, como também constitutivo e, em última instância,  inventivo. Afinal, é este desalinho, esta diferença,  que nos convoca a nos questionarmos e a deslizarmos por vários outros eus que pululam em nós ao longo da vida a partir do contato com o outro.
O grave, e problemático de nossa época, é que parece que a comunicação entre as diferenças está se precarizando à medida que temos mais meios de comunicação. Quanto mais instrumentos de comunicação produzimos,  sobretudo os virtuais, mais enraizados em nós mesmos parece que estamos a ficar. Cada vez mais afastados do que difere, nossos grupelhos virtuais ganham força e nos fazem ver o outro, em sua diferença,  como um terrível inimigo. A todo custo o que está em jogo é deter a existência do outro, sobrepondo-se a ele o discurso que entendemos ser "O" verdadeiro, mesmo ele sendo absolutamente estapafúrdio. Ganha -se, literalmente,  no grito.
Ora, será que só existe espaço para este tipo de relação?
Modos de relação narcisistas diriam uns, modos de relação fascistas diriam outros.  O fato é que não parecemos ter mais habilidade para se comunicar com os outros sem enxergá-los como coisas que podemos arrastar nossas ideologias em nome de nossa razão,  talvez de nossa fé. O campo macropolitico indica isso, algumas religiões e fiéis demonstram isso didaticamente,  muitos homens demonstram este modo narcista pateticamente em suas relações abusivas e violentas com as mulheres, e uma parcela de lutas legítimas, atribuídas a esquerda, também tropeçam nisso que tanto problematizam.
Será que a cisão entre o eu e o outro está fadada a ser entendida como ameaça e, por isso mesmo, a solução é a criação de muros que nos protegem do abismo que o outro nos oferece em sua diferença? É a lógica do condomínio que prevalecerá,  nas palavras do Dunker? Ou podemos resgatar uma ética de vida que entenda o outro como uma fenda, pela qual ao passarmos descobrirmos o quão pobres éramos ao ver o mundo apenas pelos nossos olhos? Pela qual descobrimos que o outro não é ameaça,  mas sim um trampolim para elevarmo-nos sobre nós mesmos.
Talvez, no íntimo de cada um,  o medo é de perceber o quão pequenos somos, ao contrário do que tentam nos vender com os discursos de grandiosidade espraiados por todos os cantos deste mundo globalizado e ilusoriamente sem limites.

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