segunda-feira, 8 de julho de 2024

Como escrever uma narrativa?

 

Assumi o desafio este dias de transmitir aos alunos como se faz uma narrativa, porém, fiquei pensando em como dar conta dele. Percebi que talvez, o modo mais interesse, apesar de sempre ser arriscado, seria realizar uma narrativa...

Pois bem, estou cá pensando em como trabalhar esta tarefa e tentando iniciar o escrito. Buenas, me veio na cabeça: vou começar com o que não é uma narrativa e depois vejo por onde sigo.

Então, dando início, a narrativa não é um escrito descritivo sobre o que fizeram/viram nas visitas e na experiência de propor um projeto. A descrição diz de algo frio, que alimenta os cérebros com informações, mas que, no fim das contas, se acaba por perdê-las em uma das gavetas de arquivo dos giros e sulcos cerebrais. Walter Benjamin já problematizava em sua época sobre a diferença entre informação e narrativa, com a primeira mais situada naquilo que os jornais estampavam em suas edições, com as descrições e direcionamentos interpretativos que apareciam nas notícias, algo rápido, coeso, que apenas dava uma informação-norte, sem muito espaço para questões e para uma flutuação do pensamento. Walter Banjamin gostava de flutuar, ou melhor, de flanar pelas cidades de maneira vagarosa, vagabunda, sem compromisso ou norte planejado, para assim se surpreender com as pequenas coisas que via na cidade muito acelerada para reparar em alguma coisa que não no fluxo contínuo do capital. Ele preferia tomar carona com as tartarugas ao invés das carroças/carruagens movidas pelos cavalos docilizados para correr por Paris, ou pelos carros e metros recém nascidos da época.

Neste caso, podemos pensar que a narrativa é da ordem deste flutuar pelas intensidades que vão se corporificando em nós quando habitamos e nos encontramos com um outro, um outro pessoa, um outro animal, um outro serviço, um outro lugar, um outro coletivo, etc. O que estes tantos outros trazem de bagagem para habitar em nós com suas diferenças? O que essa habitação de um outro em nós nos incomoda, como se fosse uma pedra no sapato? O que nos chama a atenção quando nos deparamos com o inesperado que o corpo de outro nos provoca? Creio que poder partir destas perguntas para escrever uma narrativa possa ser interessante.

Agora, fiquem atentos, pode ser estratégico iniciar uma narrativa com as perguntas acima ou com algo parecido, porém, nem pense que as questões devem ser respondidas, nada disso! As interrogações são como a utopia, não servem para seguirmos um norte almejado, elas apenas servem para que nossos pés e pensamentos continuem a andar, a flutuar...

Um texto narrativo, então, pode ter interrogações, mas não levemos elas muito a sério no sentido de respondê-las. As perguntas servirão só para aguçar nosso pensar sobre o campo interventivo que experienciamos. Depois disso, é ir narrando uma estória miraculosa sobre os movimentos, encontros, acontecimentos, saltos, alegrias, tristezas e frustrações que possam ter vindo à tona a partir da experiência de cada um na visita de um serviço. E a narrativa pode contar uma sequência de encontros/fatos ocorridos no decorrer das visitas que realizaram, como também pode ser feita a partir de um simples ocorrido, um quase nada, uma distração nos encontros que tiveram e que chamou a atenção, dando envergadura para os pensamentos andarem e para os dedos digitarem um escrito reflexivo.

Portanto, a narrativa, diferente da informação, não pretende ser um norte, uma receita, mas uma possibilidade de abrir reflexões frente a uma determinada situação. A narrativa é um suspirar, a informação é o respiro.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

 La muerte

Enquanto um tempo incerto me navega
Habita em mim erva amarga
Hoje por aqui choveu tanto
Pareceu até o nosso pago
minhas memórias umideceram
e as lembranças escapadas
Recordaram a casa, os sonhos e as promessas um tanto fatigadas.
Com a distância imposta e inacabada
Uma música toca desabitada
Traz um vazio e um frio repleto
Como um tango soa inabalada.
La ronda de lá muerte insiste em me cantar
E De passos retos e desertos
Vem perto assoprar:
A vida corre sem desejar destino
Pois ele surge sem avisar
Surpreende a todos em carro fúnebre
Traz flores sem nada mais.
E as lágrimas que exalam um perfume passado
Dançam com um tempo que já deixou
E as lágrimas que exalam um perfume pesado
Denunciam um tempo que se quebrou
Entre o futuro e o passado
Já não existe interlocutor.
La muerte então se vinga exaltada
Grita o óbvio nunca escutado
La muerte então se vinga exaltada
Que o destino é ela e não sem dor.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Sobre a morte da esquerda, lutas e greve

 

Safatle propôs uma reflexão na qual indica que a esquerda morreu, e que ela teria de se reinventar no contexto atual em que vivemos, tanto a nível brasileiro como mundial. A proposta de gerir o estado a partir de uma capitalização dos setores pobres da sociedade e ao mesmo tempo garantir a preservação dos ganhos da elite rentista parece ter esgarçado, caducado. E neste cenário, obviamente, a população pobre é quem cada vez mais fica sem nada, já que é inegociável, a qualquer governo, retirar os ganhos da elite rentista. Basta ver a pressão sofrida nos últimos meses no governo Lula na gestão da Petrobrás.

Nestas condições, o que Safatle percebe é um desgaste cada vez maior de uma suposta esquerda, que tenta jogar o jogo democrático capitalista e que não sai do lugar, e o crescimento de uma direita radical e fascista que se organiza mundialmente e que, eu ainda diria, sabe usar como ninguém a influência das tecnologias digitais e das redes sociais para se estabelecer e produzir uma narrativa própria e única.

Buenas, no todo, o diagnóstico do autor me parece acertar na mosca. Contudo, me surpreende um analista que admiro tanto analisar o cenário político com um viés tão idealista para pensar o que seria a esquerda nos dias atuais. Vivemos em uma sociedade de fluxos intensivos, de hibridismos inimagináveis até pouco tempo atrás. E na política não é diferente. Como, então, pensar em uma esquerda ideal na prática de um governo, que viraria o tabuleiro democrático capitalista com um estalar de dedos? Esta possibilidade existe? Penso ser um tanto ingênuo acreditar em tal via. Mais ingênuo ainda é crer em alguma revolução socialista ou algo do gênero. Estamos mais é para um trágico fim do humano por conta da voracidade do capitalismo que está levando o mundo ao colapso, no qual talvez não sobre ninguém para contar história.

Nas últimas semanas, na linha safatleana, se iniciou movimentos de greve nas Universidades Federais, primeiro com os técnicos, que já deflagraram greve, e agora com os professores, que a partir dos sindicatos começam a se enamorar com a greve. A greve se passa pela justa causa de aumento salarial e por ajustes nos planos de carreira, mas também por insatisfação com o terceiro governo de Lula. Por este ideal de esquerda, que espera, após as eleições, que o governo que colocaram no Planalto governe a partir de um norte progresssista, é que temos uma insatisfação que deseja greve.

Contudo, na minha opinião, isto me parece surreal, pois, imaginar que o governo Lula tem forças para radicalizar e sair dos trilhos da democracia capitalista, é muita falta de leitura do tabuleiro político nacional e internacional. Afinal, como dobrar um congresso que é o mais reacionário da história da democracia brasileiro pós ditadura? Como sair das chantagens? Lira está lá na presidência da câmera, sentado em centenas de pedidos de impeachment contra Lula. Ele tem o poder de dizer até onde o governo pode ir, quais ministros devem compor o governo, o quanto a bancada evangélica, da bala e do gado têm a receber de benefícios. Fora o orçamento secreto, que nada mais é do que a propina legalizada que o governo não pode mexer e que faz muita falta aos cofres públicos e aos projetos que poderiam estar sendo implementados no desenvolvimento do Brasil e não jogados sabe-se lá em que ralo. Enfim, temos um governo fantoche do congresso e, obviamente, da elite rentista. O que fazer? Enquanto base que votou a favor de Lula, começar a fazer chantagens a partir de greve tal como o congresso seria a solução? Será que esquecemos do governo fascista que precedeu Lula e que está aí louco para retornar? Afinal, a greve servirá para quê? Na minha opinião, só para desgastar este governo frágil e fortalecer a direita organizada e fascista.

Se querem fazer greve, se é desejado o protesto, que o façamos por uma causa justa, por algo que não apenas destrua este governo supostamente de esquerda que, em verdade, só consegue fazer ações de um governo de centro como diria Safatle, mas que, ao menos, barra o sanguinário governo fascista. Se a esquerda quer se reinventar, que não seja fragilizando o pequeno norte à esquerda que temos. Vamos para as ruas, façamos greve, mas para protestar contra este congresso chantagista, para indicar que apoiamos o governo Lula no que ele pauta a partir da esquerda, que indiquemos que queremos nosso governo de volta, que se retire o orçamento secreto e todas estas sanhas de poder deste congresso absolutamente cínico e corrupto, que se tenha cobrança valioso de impostos sobre grandes fortunas e sobre as igrejas, sobretudo as evangélicas corruptas, alienantes e produtora de fascismo e de direcionamento político da população.


https://aterraeredonda.com.br/causas-da-greve-nas-universidades-federais/