o
problema do homem nunca foi imaginar possíveis futuros, isso sempre foi estupendo,
força ativa que até hoje faz com que se saia do lugar, puro movimento utópico.
o problema foi quando passamos a fabricar futuros para vendê-los em quantidades
estrondosas. desde o momento em que se criou uma relação de excedente para com
as possibilidades de futuros, não os imaginamos mais de maneira independente e
lúdica, passamos a ser apenas consumidores de futuros ao invés de inventores do
que está por vir.
Este blog trata das viagens do cotidiano, das imagens que invadem a vida na insistência de uma convocação para um mais viver...
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
sobre esquecimento
quando ao invés de provocar rancor, uma lembrança imperfeita do passado nos arranca boas risadas
sexta-feira, 13 de outubro de 2017
Crepúsculo, morte, nascimento
quando o sol resiste em se apagar podemos encará-lo em seu brilho já não tão intenso, neste instante torna-se ainda mais belo do que quando nos cega e não conseguimos apreciá-lo frente a frente, a morte é assim também, momento em que vemos a beleza do outro em seu ápice decadente, desejamos que não se vá com todas as forças, ficamos a guardar migalhas de lembranças mesmo que não consigamos prender sua luz, posto que ela se esvai, por sorte existem os nascimentos, é a esperança que precisamos para a cada dia não enlouquecer...
quinta-feira, 25 de maio de 2017
onda quântica da loucura
julgada,
encerrada,
encarcerada,
alinhada
ao meio,
equilibrada
a marteladas no crânio
vida
no claustro,
com
fé religiosa ou cientifica,
a
loucura, para não transbordar a cidade,
fica
domada por paredes concretas ou químicas,
anestesia
e gira em torno de si mesma,
mas
vaza, sempre vaza,
está
além do homem,
explode
eus
explode deus!
explode deus!
domingo, 21 de maio de 2017
o corpo transdorda a linguagem
quando um encontro nos toma com tamanha intensidade e
virulência, parece que o coração deseja assumir a função da língua e falar por
ela diretamente com o outro que está a lhe afetar, só que a velocidade do
coração nestas horas é tão grande que ele acaba por se tornar incompreensível
para a língua que, inutilmente, tenta assimilá-lo para assim filtrar e traduzir
toda a potência do encontro, perda da intensidade a partir da palavra... só há
uma forma da palavra conservar a potência do encontro, e ela se passa quando a
palavra é proferida de maneira poética
ETERNAMENTE
Já foi,
não é mais.
Porém,
como tudo que um dia fora
ainda é de alguma maneira;
então,
será sempre,
eternamente...
EFEITO BORBOLETA
Ontem pela noite, ao me deparar com a profunda vontade de fazer nada,
acabei por ligar a tv. Nem lembrava mais dos dias em que se passavam os filmes
da líder de audiência, no entanto, me deparei com um filme do qual já ouvira
milhares de vezes pessoas comentando. Na maioria delas, de maneira a
descrevê-lo como algo bem “doido” e legal, assim como também, já ouvi gente
relacionando-o com a física quântica e sua famosa frase de que “uma borboleta
batendo as asas no Japão mexeria com a força das ondas do mar latino
americano”. Se não é bem assim a frase, é quase isso...
A película retrata em grande parte o desejo de todos de poder voltar ao
passado na tentativa de garantir um presente perfeito, mais sereno, tranqüilo e
feliz. Quem nunca se imaginou voltando ao passado e fazendo sua vida de outra
maneira? O que é perturbador, e completamente diferente de um filme antigo de
idas e vindas a mundos paralelos (De volta para o Futuro), é que neste, o final
da aventura nunca é apaziguador e perfeitamente feliz. O destino do garoto muda,
mas não da forma que ele tinha planejado. O caos sempre joga junto com o
sujeito os dados do destino - efeito borboleta!
A grande sacada que podemos tirar do filme pode ser assimilada a partir
do conceito nietzscheano de amor fati
- amor ao destino. Não importa o que se vive, como as coisas procederam, como
as coisas se consolidaram na vida a partir das ações tomadas, mas, sim, na
maneira em que se aceita “pelear” nos acontecimentos efetivados em vida. No
querer o seu destino sempre e de maneira infinita. No perpassar pelas
mesmíssimas coisas infinitamente para sempre com a mesma afirmação de querer.
Ora, com um desejo assim, como alguém iria se dar ao luxo de “errar” em
suas escolhas de vida? É somente desejando de maneira infinita o próprio
destino que o criamos originalmente. Amamos o destino e, neste caso, já não se
tem certo ou errado em tal percurso, já não é importante o que se efetivou
enquanto vida, mas, a intensidade de vida que se colocou em tais avanços na
mesma. Vida criativa do amor fati...
A questão é: conseguimos ser capazes de desejar com tanto desprendimento
a vida, não se importando mais para o que deu certo ou errado? Imagino que não,
ao menos, na grande maioria do tempo. Afinal, como comentei no início do
presente texto - de que por certo todos já se imaginaram voltando ao passado
para consertar seus pretéritos imperfeitos - podemos ver o quanto tentamos ver
possibilidades de fuga do destino que se efetivou. Reféns de um passado
lamentado, lamúrias sussurrantes do passado que enraízam o sujeito na tristeza
errada que se transformou o presente.
O interessante nesta história toda é que no mundo contemporâneo, além de
cairmos em crises de lamúrias por um passado perdido e inesistente (melancólico
clássico ou mesmo um típico fado português), ainda temos de maneira mais
discernida, a ciência de que o passado retocado, mudado e transformado no que
seria ideal não dá garantia nenhuma de felicidade e de certeza de que nada dará
errado. O mundo contemporâneo se caracteriza por uma verdade que desliza, que
nunca é encontrada e efetivada. Nele se diluiu a partir de seu processo de
subjetivação um mundo romântico de final feliz, de verdades e certezas que hoje
em dia parecem mais com ingenuidades. Nesta diluição das verdades, do
enfraquecimento e mesmo da diminuição de uma identidade no sujeito contemporâneo,
vemos o mesmo dançando entre seus fracassos na medida em que, ou fica a
lamuriar seu presente insatisfatório devido a ações passadas, ou se vê
desamparado na impossibilidade de produzir seu futuro devido a potência que o
plano de virtualidades lhe oferece. Ora, não se tendo mais instituições
“fortes” que lhe digam o caminho “certo”, o homem contemporâneo se encontra
perdido para tomar para si tamanha liberdade. O que fazer então com os efeitos
produzidos por anos de domesticação que despotencializaram o sujeito enquanto
ser liberto? O que fazer para que as escolhas feitas pelo sujeito indeciso com
seu tamanho desamparo não se tornem um fardo quando o mesmo olhar para elas já
em um passado efetivado? O desamparo que atravessa o mundo contemporâneo se mostra
através de sua cara tensa e espantada rumo as possibilidades de escolhas que a
vida efetua enquanto destino.
A questão é saber se o efeito borboleta que desejamos transcorre a partir
da produção de desvios no que já se passou, voltando então ao passado para se
ter um novo presente, ou, se o efeito borboleta que desejamos se passa na
criação de desvios a partir dos processos de atualizações do mundo virtual, ou
seja, do mundo em potencial que está aí para se efetivar nos processos mundanos.
No caso do primeiro, um processo de olhar para traz na tentativa de apagar
pegadas malfeitas, no segundo caso, processo de afirmação das pegadas que se
vai marcando na estrada da vida.
domingo, 14 de maio de 2017
UM FLÂNEUR PERDIDO PELA LISBOETA
passei um tempo em lisboa, agora posso dizer que dei uma boa flanada por ela. cidade de subidas e descidas, quanta lomba diria um gaucho preguiçoso! acho que isso diz dessa montanha russa do tempo que inspira a atmosfera lisboeta. prédios velhos, ruelas úmidas, cultura antiga - sem ser obsoleta - que deseja ser preservada no futuro. ao mesmo tempo, visões de futuro, modernidade capitalista completamente vista em qualquer canto da cidade do futurismo de Pessoa. mistura de futuro, de modernidade, com a tradição estético-arquitetônica portuguesa, temos bondinhos e super máquinas, kitkats e doces portugueses, roupas "da'ora" e ternos de recortes antigos, cristianismo e ateísmo capitalista querendo ser deus...
Castelo de São Jorge, Lisboa
Castelo de São Jorge, Lisboa
sábado, 15 de abril de 2017
a inscrição infinita de um rosto
https://www.youtube.com/watch?v=YGsLkKEfLCs
vídeo da inscrição infinita de um rosto, que se apaga na mesma velocidade que é reconstituído. isso mostra sem dúvida o movimento da vida, mas também podemos olhar que ele indica o movimento da morte e, sobretudo, a batalha entre essas duas forças. quando o ato de inscrição para de ser refeito, a morte e o vazio de sentido acabam por predominar, a página da vida retorna ao branco, a cegueira branca de Saramago vence. nossa vida é um resistir, “inscritivamente”, a todo esse apagar-se que o tempo produz no existir. a vida não cansa de deixar para trás o que já foi para inaugurar o que virá, deformação no passado para um nascer de futuro, rasura depois de rasura nos traços que marcamos no mundo. lembremos da figura do simulacro de Platão, rasurada por Deleuze, que mostra que a vida é potente justamente por ser cópia da cópia do modelo ideal, do mundo ideal platônico. cópia da cópia. a fôrma primeira já não existe, pois a cada imitação ganha sutilmente outros desenhos, outras vidas, que minam a legitimidade da primeira. primeira que nem existe. não há primeira nem última, somente o entre, as infinitas possibilidades de passado e de futuro se agenciam sem parar, caducam a posição estável, desejam caos e instabilidade para sentir a vida a pulsar. estilo de inscrição de vida esquizo. escreve, borra, apaga, fragmenta, diferencia-se do modelo. algum risco fica e se faz mapa para um novo arriscar-se no muro que se inscreve a vida. muro branco, buraco negro, giros e mais giros em tentativas de filtrar e tapear o caos, de não se a ver com o abismo. abismo que para alguns é tão aterrorizador que acaba por formar uma defesa fascista, um tampão para dar conta da angústia que vem da relação com o fora, da louca exterioridade que “desrazoa” as inscrições já estabilizadas. que destino trágico é esse do desamparo das inscrições, tão belo e terrível ao mesmo tempo, vida e morte não cansam de pulular...
vídeo da inscrição infinita de um rosto, que se apaga na mesma velocidade que é reconstituído. isso mostra sem dúvida o movimento da vida, mas também podemos olhar que ele indica o movimento da morte e, sobretudo, a batalha entre essas duas forças. quando o ato de inscrição para de ser refeito, a morte e o vazio de sentido acabam por predominar, a página da vida retorna ao branco, a cegueira branca de Saramago vence. nossa vida é um resistir, “inscritivamente”, a todo esse apagar-se que o tempo produz no existir. a vida não cansa de deixar para trás o que já foi para inaugurar o que virá, deformação no passado para um nascer de futuro, rasura depois de rasura nos traços que marcamos no mundo. lembremos da figura do simulacro de Platão, rasurada por Deleuze, que mostra que a vida é potente justamente por ser cópia da cópia do modelo ideal, do mundo ideal platônico. cópia da cópia. a fôrma primeira já não existe, pois a cada imitação ganha sutilmente outros desenhos, outras vidas, que minam a legitimidade da primeira. primeira que nem existe. não há primeira nem última, somente o entre, as infinitas possibilidades de passado e de futuro se agenciam sem parar, caducam a posição estável, desejam caos e instabilidade para sentir a vida a pulsar. estilo de inscrição de vida esquizo. escreve, borra, apaga, fragmenta, diferencia-se do modelo. algum risco fica e se faz mapa para um novo arriscar-se no muro que se inscreve a vida. muro branco, buraco negro, giros e mais giros em tentativas de filtrar e tapear o caos, de não se a ver com o abismo. abismo que para alguns é tão aterrorizador que acaba por formar uma defesa fascista, um tampão para dar conta da angústia que vem da relação com o fora, da louca exterioridade que “desrazoa” as inscrições já estabilizadas. que destino trágico é esse do desamparo das inscrições, tão belo e terrível ao mesmo tempo, vida e morte não cansam de pulular...
terça-feira, 21 de março de 2017
Os doces portugueses são mais vistosos do que saborosos e eu não os paro de comer...
Hoje acordei cansado.
Desanimado com a impossibilidade de
sonhar.
O frio não compõe com o meu corpo, ele me
debilita muito, me deixa inflamado por dentro. Por mais que as inflamações
possam indicar questões, a toda hora isso cansa. Neste sentido, o sonho europeu
vai se distanciando. O mais prudente é que a Europa seja um lugar de passagem,
de visitas esporádicas.
Mas cá estou a pensar que a academia, como
hoje é armada, também será um lugar de passagem. Amo aprender, ler, pensar,
escrever, trocar ideias com alunos, colegas, professores, mas isto é vinte por
cento, no máximo, do que se exige na academia. Há uma exigência burocrática
desencantadora junto ao meio acadêmico, e creio que isso só ficará pior com o
passar dos anos. A precarização do trabalho é iminente em todo o mundo e
ninguém mais parece conseguir ter estabilidade para parar em reflexões mais
extensas e “pouco” produtivas em termos de publicações, por exemplo. Tudo isso
diz respeito a desvalorização do professor, do escritor, do pensador no mundo
de hoje. O que importa são metas, publicações, projetos, editais que salvem a
renda dos acadêmicos. Não há tempo de parada neste meio competitivo como todos
os outros que giram em torno do capital. A cada semestre, a cada ano, o
acadêmico que se prese, e que deseje sobreviver disso, deve lançar-se em busca
de editais que financiem seus projetos que, com sinceridade, pouco muda o mundo
para além de salvar seu salário. Não há desejo de pensar o pesquisar, há desejo
de editais, de financiamentos, de busca de recursos, é uma rinha de galo a cada
dia.
Com tudo isso fico a pensar o quanto a
vida se gasta inutilmente nessas relações de busca de recursos, acadêmicos
felizes pelas migalhas que ganham sem perceberem que suas vidas vão fenecendo
sem saírem dessa bolha. Certamente não existe diferença entre este meio e todos
os outros que estão dentro do sistema capitalista, a academia é só mais um
lugar no qual se entrega a vida para se receber alguns trocados, algumas
viagens, algumas fotos requintadas e de sucesso.
Pergunto-me se tudo isso vale a pena. Para
que se enfiar neste meio, ficar a vida inteira nesta velocidade acelerada e
depois ver que a vida passou sem desfrutar de um mínimo de sossego? São TCCs a
orientar, editais a se concorrer, textos a publicar, discussões entre iguais
para ver quem se destaca mais em um meio cheio de gente querendo ser genial.
Para que serve tanto desgaste, tanta gastura de vida?
Meu desejo é ser escritor, ler, participar
de discussões com professores e alunos e ponto! E no momento a única coisa que
não faço é isso, emaranhado que estou com os “compromissos” acadêmicos. Parece
que superando as etapas um dia chego neste lugar desejante. Mas já se vão quase
15 anos e não parece que tenha me movido muito ao ponto de me ver fora dessas
garras que me jogam para tal sistema burocratizante.
Minhas condições financeiras parecem não
me ajudar muito também, não me sinto convencido de que possa sair dessa rede
acadêmica sem me dar mal. Desistir dela agora!? Depois de tantos esforços!? Mal
sei pregar um prego, o que eu iria fazer para garantir o mínimo?
Num mundo que poucos leem como poderia
apostar em viver de escrita? E será eu alguém que tenha talento para isso? Vai
saber...
Para além disso, sinto que cada lugar que
imagino ser meu oásis, ao chegar nele, logo tal esperança se esvazia, torna-se
frequente o minguar das expectativas que tinha por tal encantamento passado. E
isso não é tratável, em tudo sou assim, o mundo é assim! Desanimo fácil de
minhas conquistas, seja em âmbito amoroso, no estudo ou trabalho, há sempre um
objeto melhor a se consumir-desejar. O ideal seria ser nômade, mas sem
garantias financeiras fica difícil nos dias de hoje, ao menos para mim, apegado
que sou a certos confortos.
Enfim, meus sonhos, como os doces
portugueses, são vistosos, mas ao degustá-los logo perdem a graça, o sabor. O
pior é que não consigo parar de comê-los, de consumi-los, de gastá-los pelo
mundo, com um tom sempre blasé, gosto do que perdeu a graça... Até quando?
segunda-feira, 20 de março de 2017
Corpo esticado, corpo rompido, corpo nave(ou)gado
Saudade quero ver pra crer
Saudade de te procurar
Na vida tudo pode acontecer
Partir e nunca mais voltar
Como um bom barco no mar
Eu vou, eu vou
(Otto, Saudade)
Este fim de semana foi
reservado para repetir alguns territórios que habito no Brasil, afinal, foram
15 dias sem parar de estranhar-me neste velho continente, o corpo cansa, pede
repouso. Para começar, minha sinusite, amiga que me visita em todos os invernos,
bateu na porta, ou melhor, arrombou-a e se deitou comigo. Que apego tenho por
ela, nos abraçamos tão bem que não resisto e cedo. Essa amiga me faz ficar
manso, parado, quieto. São momentos lentificadores da alma, não os suporto
muito confesso, mas são necessários por vezes e até prazerosos. E sempre que
tal companheira me invade necessito cumprir um ritual: ir ao hospital, pegar
receita com um médico que aceita meu diagnóstico antes de me examinar, passar
na farmácia, tomar remédios e ficar parado em casa.
Na parada deste findi
acabei por ouvir Otto; assistir vídeos do Inter por conta dos 350 jogos do
D’Ale, que coincidiu com o dia de nascimento do Fernandão, mesmo dia que minha
vó veio a falaecer (aqui deixo errada minha escrita, pois ao revisar o texto
achei que essa escrita falha dizia da morte silenciosa que sentimos em falar
algo quando alguém que amamos morre, ou seja, um falecer da fala, da palavra,
não há palavra!) em 18 de março de 2014; e ainda relembrei e fucei em
entrevistas do Deleuze sobre a amizade e a potência aterrorizante do se jogar na vida confiando no que o destino trará.
Se jogar sem ver o chão é
coisa muito doida e doída ao mesmo tempo, é um perder o norte, o prumo, é
entrar numa onda, é amar, ziguezaguear frágil pela vida. Não à toa Deleuze fala
que a amizade é aquele instante íntimo de sintonia que temos com raríssimas
pessoas no decorrer da vida. Este instante íntimo, que cabemos de maneira justa
no corpo do amigo de tão ligados que ficamos, nos ajuda a suportar o sem chão,
o acaso, a deriva em alto mar que todos estamos, mesmo que neguemos para fins
de controle do desamparo. Percebemos nestes encontros de amizade que não
estamos sozinhos para navegar fora das rotas. Nada melhor do que o olhar que
nos olha e confirma o que se está a pensar, encontro de almas! Uma possível
ética clínica?
No hospital, terreno
conhecido mesmo em outro país, já que as arquiteturas disciplinares não mudam
muito, sentia-me em casa ao cumprir o rito redundante. Mas outra amiga minha,
esta de carne e osso, que está a morar por aqui há mais tempo, chorava no face
perante sua filinha adoentada. Afirmava a tristeza, um resmungo com a vida sem
apelações, coisa corajosa de se fazer nas redes sociais que normalmente
enaltecem os acontecimentos de sucesso. Ela fez com que notasse um descompasso
que sentia naquele hospital até então familiar, um descompasso de estar à mercê
de um outro que por mais próximo que fosse dos meus costumes, ainda se separa
de mim por um oceano inteiro. Não saber a direção do banheiro, desconhecer o
caminho do raio-x, não entender ao certo em como se portar frente aquele que se
coloca como cuidador... coisas simples mas que o embaraço do estrangeirismo nos
faz parecer tontos com tais situações. Existe uma fragilidade em tudo isso, e o
hospital com o auxílio da minha amiga explicitou o que é corriqueiro quando
estamos no estrangeiro: a desabitação do familiar.
Minha última parada no
fim de semana foi no shopping de Coimbra, lugar mais próximo de casa que
possuía uma farmácia. Eu, sempre resistente a shoppings, pela primeira vez
senti um pouco de felicidade de estar neste lugar. A globalização, na qual um
shopping representa muito bem, constrói um território igual em todos os lugares
do mundo. De Tóquio a Paris, de Porto a Porto, de Coimbra a Sydney temos comida
japonesa, MCdonald’s, cinema de circuito internacional e pop, escadas rolantes,
sorvetes, livros e um festival de propagandas e consumo de marcas. E no
shopping de Coimbra ainda tinha uma churrascaria de nome chimarrão! Estava em
casa, neste lar que todos compartilhamos nos dias de hoje, sem intimidade, sem
regionalidades, impessoal, mas que oferece a possibilidade de consumo de marcas
que aprendemos a nos apegar desde a mais tenra infância. Senti uma paz mesmo
que fugaz... Tempos líquido?
Mas para quê todo esse
escrito sobre doença, habitação de territórios não familiares e a vontade
sempre matreira de retornar ao lar? Creio que para enaltecer os territórios
moventes, o pulo do precipício, o jogar-se na tempestade em alto mar, o provar
do amor e o adoecimento que tudo isso causa no corpo rebanhento que nos
tornamos. Minha amiga sinusite é um reclame do meu corpo docilizado, um freio,
um puxar de rédeas sobre a minha própria vida assustada diante da tragicidade
existencial, não deixando que eu voe mais longe do que minha capacidade
corporal formatada aguenta. Neste sentido, aceito convalescer, pois com isto
percebo que fui mais além de mim, que deixei meu corpo desorientado, que nele
exerceu-se forças estrangeiras. Mesmo que ele fique em frangalhos por algum
tempo, necessitando certas paradas, é com este frio na barriga do
desterritorializar-se que meu corpo ganha maior envergadura interior,
suportando a vida sem a necessidade de proteger-se com marcas vendidas e
compradas que não dizem nada sobre a real singularidade do viver. Uma
felicidade estranha como diria Deleuze, como um bom barco no mar eu vou, eu
vou...
https://www.youtube.com/watch?v=Chz7ey_O0ZI&t=1s
segunda-feira, 16 de janeiro de 2017
VIDA TAGARELA
Falar muito consigo mesmo sem
efetivar as ações exaustivamente planejadas em pensamento! Eis a característica
própria de nossos tempos. A angústia contemporânea se passa nessa
impossibilidade em calar-se para se permitir viver. O controle está em nós, basta
observar a quantidade de planejamentos que efetivamos no pensamento e que são
um desastre na “vida como ela é”. É um ensaiar-se mental que paralisa qualquer
ação em sua monotonia moral.
Somos da pior espécie de
tagarelas. Tal tagarelice nos faz refém de um pensamento que convoca a sempre
retomar as ações imaginadas perante o que virá. Numa nítida intenção de dar
conta do inesperado, aprisionando-o. No entanto, ao se retomar cada passo que
se daria rumo ao futuro, o inesperado acaba se tornando o esperado, isto é, não
se possibilita a saída de um circuito do mesmo. Nega-se o imprevisível, numa
angústia que forja inúmeras vezes o que está para vir, acanhando, então, os
movimentos de invenção. Fecham-se as portas para o plano virtual! O indivíduo,
por conseguinte, acaba por se endurecer nessa dinâmica que acontece no entre da
relação do porvir com o que o mesmo remete ao inventar, no agir inventivo que
possibilita o movimento de devir.
Nesta marcha que é controlada via
pensamentos do mesmo em relação ao vir a ser, o que se nota é um modo sufocante
de julgamentos apressados sobre uma possível projeção do futuro. Pensa-se tanto
e de variadas maneiras que não se sai do mesmo devido a sua característica de
não ação. As ações somente pensadas e não efetivadas se tornam uma espécie de
singularidade abortada, galhos secos que poderiam ter virado flores.
Pouco se avança em vida neste
processo de subjetivação, produzindo muito mais uma repetição de um igual
incessante. Assim, o homem em sua relação com o mundo desatualiza-se a si mesmo
de maneira crítica, se tornando um escravo, pois, o acaso toma as rédeas,
definindo a vida do indivíduo que só tem como saída a lamentação – o murmúrio
mental. Suas falas mentais se passam sempre pelo lamento, não retendo nada de
aprendizagem nas relações que por ele perpassam. Difícil sair desse circuito
tagarela no qual o “ouvido se comunica diretamente com a língua. Tudo o
que o tagarela recebe pelo ouvido escoa, derrama-se de imediato no que ele diz
e, derramando-se no que ele diz, a coisa ouvida não pode produzir nenhum efeito
sobre a própria alma” diria FOUCAULT. Há no processo tagarela que murmura para
si mesmo seus ressentimentos um enfraquecimento de alma, fica-se engasgado “por
palavras inúteis, de uma quantidade demente de falas e imagens. De modo que o
problema não é mais fazer com que as pessoas se exprimam, mas arranjar-lhes
vacúolos de solidão e de silêncio a partir dos quais elas teriam, enfim, algo a
dizer” já comentará DELEUZE.
O ADIAMENTO DAS UTOPIAS
A produção de um medo individualizado e individualizante, o
terrorismo de que se ficará para trás dependendo das posições que se escolha, a
ameaça ao sujeito de que poderá perder a sua vida caso tome uma decisão
arriscada, aniquila qualquer ação singular e coletiva, mortifica a existência
do que insiste em resistir. O sujeito torna-se refém de sua própria passividade,
o que o faz hesitar quando convocado a qualquer ação coletiva que coloque em
risco seu projeto de vida de propaganda de margarina. Suas tímidas revoltas
para com o sistema, quando se dão, são apenas quando algo pessoal lhe atinge.
Mais do que isso seria muito esforço... O que está em jogo é o adiamento eterno
das utopias, dos sonhos, dos virtuais que são como fantasmas a tensionar o
cotidiano posto.
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