terça-feira, 26 de dezembro de 2017

sobre futuros

o problema do homem nunca foi imaginar possíveis futuros, isso sempre foi estupendo, força ativa que até hoje faz com que se saia do lugar, puro movimento utópico. o problema foi quando passamos a fabricar futuros para vendê-los em quantidades estrondosas. desde o momento em que se criou uma relação de excedente para com as possibilidades de futuros, não os imaginamos mais de maneira independente e lúdica, passamos a ser apenas consumidores de futuros ao invés de inventores do que está por vir.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

sobre esquecimento

quando ao invés de provocar rancor, uma lembrança imperfeita do passado nos arranca boas risadas

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Crepúsculo, morte, nascimento

quando o sol resiste em se apagar podemos encará-lo em seu brilho já não tão intenso, neste instante torna-se ainda mais belo do que quando nos cega e não conseguimos apreciá-lo frente a frente, a morte é assim também, momento em que vemos a beleza do outro em seu ápice decadente, desejamos que não se vá com todas as forças, ficamos a guardar migalhas de lembranças mesmo que não consigamos prender sua luz, posto que ela se esvai, por sorte existem os nascimentos, é a esperança que precisamos para a cada dia não enlouquecer...

quinta-feira, 25 de maio de 2017

onda quântica da loucura

julgada,
encerrada,
encarcerada,
alinhada ao meio,
equilibrada a marteladas no crânio
vida no claustro,
com fé religiosa ou cientifica,
a loucura, para não transbordar a cidade,
fica domada por paredes concretas ou químicas,
anestesia e gira em torno de si mesma,
mas vaza, sempre vaza,
está além do homem,

explode eus
explode deus!

domingo, 21 de maio de 2017

POA

Porto-Longe, Perto Alegre

o corpo transdorda a linguagem

quando um encontro nos toma com tamanha intensidade e virulência, parece que o coração deseja assumir a função da língua e falar por ela diretamente com o outro que está a lhe afetar, só que a velocidade do coração nestas horas é tão grande que ele acaba por se tornar incompreensível para a língua que, inutilmente, tenta assimilá-lo para assim filtrar e traduzir toda a potência do encontro, perda da intensidade a partir da palavra... só há uma forma da palavra conservar a potência do encontro, e ela se passa quando a palavra é proferida de maneira poética

ETERNAMENTE

Já foi,
não é mais.
Porém,
como tudo que um dia fora
ainda é de alguma maneira;
então,
será sempre,

eternamente...

EFEITO BORBOLETA

Ontem pela noite, ao me deparar com a profunda vontade de fazer nada, acabei por ligar a tv. Nem lembrava mais dos dias em que se passavam os filmes da líder de audiência, no entanto, me deparei com um filme do qual já ouvira milhares de vezes pessoas comentando. Na maioria delas, de maneira a descrevê-lo como algo bem “doido” e legal, assim como também, já ouvi gente relacionando-o com a física quântica e sua famosa frase de que “uma borboleta batendo as asas no Japão mexeria com a força das ondas do mar latino americano”. Se não é bem assim a frase, é quase isso...
A película retrata em grande parte o desejo de todos de poder voltar ao passado na tentativa de garantir um presente perfeito, mais sereno, tranqüilo e feliz. Quem nunca se imaginou voltando ao passado e fazendo sua vida de outra maneira? O que é perturbador, e completamente diferente de um filme antigo de idas e vindas a mundos paralelos (De volta para o Futuro), é que neste, o final da aventura nunca é apaziguador e perfeitamente feliz. O destino do garoto muda, mas não da forma que ele tinha planejado. O caos sempre joga junto com o sujeito os dados do destino - efeito borboleta!
A grande sacada que podemos tirar do filme pode ser assimilada a partir do conceito nietzscheano de amor fati - amor ao destino. Não importa o que se vive, como as coisas procederam, como as coisas se consolidaram na vida a partir das ações tomadas, mas, sim, na maneira em que se aceita “pelear” nos acontecimentos efetivados em vida. No querer o seu destino sempre e de maneira infinita. No perpassar pelas mesmíssimas coisas infinitamente para sempre com a mesma afirmação de querer.
Ora, com um desejo assim, como alguém iria se dar ao luxo de “errar” em suas escolhas de vida? É somente desejando de maneira infinita o próprio destino que o criamos originalmente. Amamos o destino e, neste caso, já não se tem certo ou errado em tal percurso, já não é importante o que se efetivou enquanto vida, mas, a intensidade de vida que se colocou em tais avanços na mesma. Vida criativa do amor fati...
A questão é: conseguimos ser capazes de desejar com tanto desprendimento a vida, não se importando mais para o que deu certo ou errado? Imagino que não, ao menos, na grande maioria do tempo. Afinal, como comentei no início do presente texto - de que por certo todos já se imaginaram voltando ao passado para consertar seus pretéritos imperfeitos - podemos ver o quanto tentamos ver possibilidades de fuga do destino que se efetivou. Reféns de um passado lamentado, lamúrias sussurrantes do passado que enraízam o sujeito na tristeza errada que se transformou o presente.
O interessante nesta história toda é que no mundo contemporâneo, além de cairmos em crises de lamúrias por um passado perdido e inesistente (melancólico clássico ou mesmo um típico fado português), ainda temos de maneira mais discernida, a ciência de que o passado retocado, mudado e transformado no que seria ideal não dá garantia nenhuma de felicidade e de certeza de que nada dará errado. O mundo contemporâneo se caracteriza por uma verdade que desliza, que nunca é encontrada e efetivada. Nele se diluiu a partir de seu processo de subjetivação um mundo romântico de final feliz, de verdades e certezas que hoje em dia parecem mais com ingenuidades. Nesta diluição das verdades, do enfraquecimento e mesmo da diminuição de uma identidade no sujeito contemporâneo, vemos o mesmo dançando entre seus fracassos na medida em que, ou fica a lamuriar seu presente insatisfatório devido a ações passadas, ou se vê desamparado na impossibilidade de produzir seu futuro devido a potência que o plano de virtualidades lhe oferece. Ora, não se tendo mais instituições “fortes” que lhe digam o caminho “certo”, o homem contemporâneo se encontra perdido para tomar para si tamanha liberdade. O que fazer então com os efeitos produzidos por anos de domesticação que despotencializaram o sujeito enquanto ser liberto? O que fazer para que as escolhas feitas pelo sujeito indeciso com seu tamanho desamparo não se tornem um fardo quando o mesmo olhar para elas já em um passado efetivado? O desamparo que atravessa o mundo contemporâneo se mostra através de sua cara tensa e espantada rumo as possibilidades de escolhas que a vida efetua enquanto destino.

A questão é saber se o efeito borboleta que desejamos transcorre a partir da produção de desvios no que já se passou, voltando então ao passado para se ter um novo presente, ou, se o efeito borboleta que desejamos se passa na criação de desvios a partir dos processos de atualizações do mundo virtual, ou seja, do mundo em potencial que está aí para se efetivar nos processos mundanos. No caso do primeiro, um processo de olhar para traz na tentativa de apagar pegadas malfeitas, no segundo caso, processo de afirmação das pegadas que se vai marcando na estrada da vida.

domingo, 14 de maio de 2017

UM FLÂNEUR PERDIDO PELA LISBOETA

passei um tempo em lisboa, agora posso dizer que dei uma boa flanada por ela. cidade de subidas e descidas, quanta lomba diria um gaucho preguiçoso! acho que isso diz dessa montanha russa do tempo que inspira a atmosfera lisboeta. prédios velhos, ruelas úmidas, cultura antiga - sem ser obsoleta - que deseja ser preservada no futuro. ao mesmo tempo, visões de futuro, modernidade capitalista completamente vista em qualquer canto da cidade do futurismo de Pessoa. mistura de futuro, de modernidade, com a tradição estético-arquitetônica portuguesa, temos bondinhos e super máquinas, kitkats e doces portugueses, roupas "da'ora" e ternos de recortes antigos, cristianismo e ateísmo capitalista querendo ser deus...


Castelo de São Jorge, Lisboa


sábado, 15 de abril de 2017

a inscrição infinita de um rosto

https://www.youtube.com/watch?v=YGsLkKEfLCs

vídeo da inscrição infinita de um rosto, que se apaga na mesma velocidade que é reconstituído. isso mostra sem dúvida o movimento da vida, mas também podemos olhar que ele indica o movimento da morte e, sobretudo, a batalha entre essas duas forças. quando o ato de inscrição para de ser refeito, a morte e o vazio de sentido acabam por predominar, a página da vida retorna ao branco, a cegueira branca de Saramago vence. nossa vida é um resistir, “inscritivamente”,  a todo esse apagar-se que o tempo produz no existir. a vida não cansa de deixar para trás o que já foi para inaugurar o que virá, deformação no passado para um nascer de futuro, rasura depois de rasura nos traços que marcamos no mundo. lembremos da figura do simulacro de Platão, rasurada por Deleuze, que mostra que a vida é potente justamente por ser cópia da cópia do modelo ideal, do mundo ideal platônico. cópia da cópia. a fôrma primeira já não existe, pois a cada imitação ganha sutilmente outros desenhos, outras vidas, que minam a legitimidade da primeira. primeira que nem existe. não há primeira nem última, somente o entre, as infinitas possibilidades de passado e de futuro se agenciam sem parar, caducam a posição estável, desejam caos e instabilidade para sentir a vida a pulsar. estilo de inscrição de vida esquizo. escreve, borra, apaga, fragmenta, diferencia-se do modelo. algum risco fica e se faz mapa para um novo arriscar-se no muro que se inscreve a vida. muro branco, buraco negro, giros e mais giros em tentativas de filtrar e tapear o caos, de não se a ver com o abismo. abismo que para alguns é tão aterrorizador que acaba por formar uma defesa fascista, um tampão para dar conta da angústia que vem da relação com o fora, da louca exterioridade que “desrazoa” as inscrições já estabilizadas. que destino trágico é esse do desamparo das inscrições, tão belo e terrível ao mesmo tempo, vida e morte não cansam de pulular...

terça-feira, 21 de março de 2017

Os doces portugueses são mais vistosos do que saborosos e eu não os paro de comer...

Hoje acordei cansado.
Desanimado com a impossibilidade de sonhar.
O frio não compõe com o meu corpo, ele me debilita muito, me deixa inflamado por dentro. Por mais que as inflamações possam indicar questões, a toda hora isso cansa. Neste sentido, o sonho europeu vai se distanciando. O mais prudente é que a Europa seja um lugar de passagem, de visitas esporádicas.
Mas cá estou a pensar que a academia, como hoje é armada, também será um lugar de passagem. Amo aprender, ler, pensar, escrever, trocar ideias com alunos, colegas, professores, mas isto é vinte por cento, no máximo, do que se exige na academia. Há uma exigência burocrática desencantadora junto ao meio acadêmico, e creio que isso só ficará pior com o passar dos anos. A precarização do trabalho é iminente em todo o mundo e ninguém mais parece conseguir ter estabilidade para parar em reflexões mais extensas e “pouco” produtivas em termos de publicações, por exemplo. Tudo isso diz respeito a desvalorização do professor, do escritor, do pensador no mundo de hoje. O que importa são metas, publicações, projetos, editais que salvem a renda dos acadêmicos. Não há tempo de parada neste meio competitivo como todos os outros que giram em torno do capital. A cada semestre, a cada ano, o acadêmico que se prese, e que deseje sobreviver disso, deve lançar-se em busca de editais que financiem seus projetos que, com sinceridade, pouco muda o mundo para além de salvar seu salário. Não há desejo de pensar o pesquisar, há desejo de editais, de financiamentos, de busca de recursos, é uma rinha de galo a cada dia.
Com tudo isso fico a pensar o quanto a vida se gasta inutilmente nessas relações de busca de recursos, acadêmicos felizes pelas migalhas que ganham sem perceberem que suas vidas vão fenecendo sem saírem dessa bolha. Certamente não existe diferença entre este meio e todos os outros que estão dentro do sistema capitalista, a academia é só mais um lugar no qual se entrega a vida para se receber alguns trocados, algumas viagens, algumas fotos requintadas e de sucesso.
Pergunto-me se tudo isso vale a pena. Para que se enfiar neste meio, ficar a vida inteira nesta velocidade acelerada e depois ver que a vida passou sem desfrutar de um mínimo de sossego? São TCCs a orientar, editais a se concorrer, textos a publicar, discussões entre iguais para ver quem se destaca mais em um meio cheio de gente querendo ser genial. Para que serve tanto desgaste, tanta gastura de vida?
Meu desejo é ser escritor, ler, participar de discussões com professores e alunos e ponto! E no momento a única coisa que não faço é isso, emaranhado que estou com os “compromissos” acadêmicos. Parece que superando as etapas um dia chego neste lugar desejante. Mas já se vão quase 15 anos e não parece que tenha me movido muito ao ponto de me ver fora dessas garras que me jogam para tal sistema burocratizante.
Minhas condições financeiras parecem não me ajudar muito também, não me sinto convencido de que possa sair dessa rede acadêmica sem me dar mal. Desistir dela agora!? Depois de tantos esforços!? Mal sei pregar um prego, o que eu iria fazer para garantir o mínimo?
Num mundo que poucos leem como poderia apostar em viver de escrita? E será eu alguém que tenha talento para isso? Vai saber...
Para além disso, sinto que cada lugar que imagino ser meu oásis, ao chegar nele, logo tal esperança se esvazia, torna-se frequente o minguar das expectativas que tinha por tal encantamento passado. E isso não é tratável, em tudo sou assim, o mundo é assim! Desanimo fácil de minhas conquistas, seja em âmbito amoroso, no estudo ou trabalho, há sempre um objeto melhor a se consumir-desejar. O ideal seria ser nômade, mas sem garantias financeiras fica difícil nos dias de hoje, ao menos para mim, apegado que sou a certos confortos.

Enfim, meus sonhos, como os doces portugueses, são vistosos, mas ao degustá-los logo perdem a graça, o sabor. O pior é que não consigo parar de comê-los, de consumi-los, de gastá-los pelo mundo, com um tom sempre blasé, gosto do que perdeu a graça... Até quando?

segunda-feira, 20 de março de 2017

Corpo esticado, corpo rompido, corpo nave(ou)gado

Saudade quero ver pra crer
Saudade de te procurar
Na vida tudo pode acontecer
Partir e nunca mais voltar
Como um bom barco no mar
Eu vou, eu vou

(Otto, Saudade)

Este fim de semana foi reservado para repetir alguns territórios que habito no Brasil, afinal, foram 15 dias sem parar de estranhar-me neste velho continente, o corpo cansa, pede repouso. Para começar, minha sinusite, amiga que me visita em todos os invernos, bateu na porta, ou melhor, arrombou-a e se deitou comigo. Que apego tenho por ela, nos abraçamos tão bem que não resisto e cedo. Essa amiga me faz ficar manso, parado, quieto. São momentos lentificadores da alma, não os suporto muito confesso, mas são necessários por vezes e até prazerosos. E sempre que tal companheira me invade necessito cumprir um ritual: ir ao hospital, pegar receita com um médico que aceita meu diagnóstico antes de me examinar, passar na farmácia, tomar remédios e ficar parado em casa.
Na parada deste findi acabei por ouvir Otto; assistir vídeos do Inter por conta dos 350 jogos do D’Ale, que coincidiu com o dia de nascimento do Fernandão, mesmo dia que minha vó veio a falaecer (aqui deixo errada minha escrita, pois ao revisar o texto achei que essa escrita falha dizia da morte silenciosa que sentimos em falar algo quando alguém que amamos morre, ou seja, um falecer da fala, da palavra, não há palavra!) em 18 de março de 2014; e ainda relembrei e fucei em entrevistas do Deleuze sobre a amizade e a potência aterrorizante do se jogar  na vida confiando no que o destino trará.
Se jogar sem ver o chão é coisa muito doida e doída ao mesmo tempo, é um perder o norte, o prumo, é entrar numa onda, é amar, ziguezaguear frágil pela vida. Não à toa Deleuze fala que a amizade é aquele instante íntimo de sintonia que temos com raríssimas pessoas no decorrer da vida. Este instante íntimo, que cabemos de maneira justa no corpo do amigo de tão ligados que ficamos, nos ajuda a suportar o sem chão, o acaso, a deriva em alto mar que todos estamos, mesmo que neguemos para fins de controle do desamparo. Percebemos nestes encontros de amizade que não estamos sozinhos para navegar fora das rotas. Nada melhor do que o olhar que nos olha e confirma o que se está a pensar, encontro de almas! Uma possível ética clínica?
No hospital, terreno conhecido mesmo em outro país, já que as arquiteturas disciplinares não mudam muito, sentia-me em casa ao cumprir o rito redundante. Mas outra amiga minha, esta de carne e osso, que está a morar por aqui há mais tempo, chorava no face perante sua filinha adoentada. Afirmava a tristeza, um resmungo com a vida sem apelações, coisa corajosa de se fazer nas redes sociais que normalmente enaltecem os acontecimentos de sucesso. Ela fez com que notasse um descompasso que sentia naquele hospital até então familiar, um descompasso de estar à mercê de um outro que por mais próximo que fosse dos meus costumes, ainda se separa de mim por um oceano inteiro. Não saber a direção do banheiro, desconhecer o caminho do raio-x, não entender ao certo em como se portar frente aquele que se coloca como cuidador... coisas simples mas que o embaraço do estrangeirismo nos faz parecer tontos com tais situações. Existe uma fragilidade em tudo isso, e o hospital com o auxílio da minha amiga explicitou o que é corriqueiro quando estamos no estrangeiro: a desabitação do familiar.
Minha última parada no fim de semana foi no shopping de Coimbra, lugar mais próximo de casa que possuía uma farmácia. Eu, sempre resistente a shoppings, pela primeira vez senti um pouco de felicidade de estar neste lugar. A globalização, na qual um shopping representa muito bem, constrói um território igual em todos os lugares do mundo. De Tóquio a Paris, de Porto a Porto, de Coimbra a Sydney temos comida japonesa, MCdonald’s, cinema de circuito internacional e pop, escadas rolantes, sorvetes, livros e um festival de propagandas e consumo de marcas. E no shopping de Coimbra ainda tinha uma churrascaria de nome chimarrão! Estava em casa, neste lar que todos compartilhamos nos dias de hoje, sem intimidade, sem regionalidades, impessoal, mas que oferece a possibilidade de consumo de marcas que aprendemos a nos apegar desde a mais tenra infância. Senti uma paz mesmo que fugaz... Tempos líquido?

Mas para quê todo esse escrito sobre doença, habitação de territórios não familiares e a vontade sempre matreira de retornar ao lar? Creio que para enaltecer os territórios moventes, o pulo do precipício, o jogar-se na tempestade em alto mar, o provar do amor e o adoecimento que tudo isso causa no corpo rebanhento que nos tornamos. Minha amiga sinusite é um reclame do meu corpo docilizado, um freio, um puxar de rédeas sobre a minha própria vida assustada diante da tragicidade existencial, não deixando que eu voe mais longe do que minha capacidade corporal formatada aguenta. Neste sentido, aceito convalescer, pois com isto percebo que fui mais além de mim, que deixei meu corpo desorientado, que nele exerceu-se forças estrangeiras. Mesmo que ele fique em frangalhos por algum tempo, necessitando certas paradas, é com este frio na barriga do desterritorializar-se que meu corpo ganha maior envergadura interior, suportando a vida sem a necessidade de proteger-se com marcas vendidas e compradas que não dizem nada sobre a real singularidade do viver. Uma felicidade estranha como diria Deleuze, como um bom barco no mar eu vou, eu vou...


https://www.youtube.com/watch?v=Chz7ey_O0ZI&t=1s

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

VIDA TAGARELA

Falar muito consigo mesmo sem efetivar as ações exaustivamente planejadas em pensamento! Eis a característica própria de nossos tempos. A angústia contemporânea se passa nessa impossibilidade em calar-se para se permitir viver. O controle está em nós, basta observar a quantidade de planejamentos que efetivamos no pensamento e que são um desastre na “vida como ela é”. É um ensaiar-se mental que paralisa qualquer ação em sua monotonia moral.
Somos da pior espécie de tagarelas. Tal tagarelice nos faz refém de um pensamento que convoca a sempre retomar as ações imaginadas perante o que virá. Numa nítida intenção de dar conta do inesperado, aprisionando-o. No entanto, ao se retomar cada passo que se daria rumo ao futuro, o inesperado acaba se tornando o esperado, isto é, não se possibilita a saída de um circuito do mesmo. Nega-se o imprevisível, numa angústia que forja inúmeras vezes o que está para vir, acanhando, então, os movimentos de invenção. Fecham-se as portas para o plano virtual! O indivíduo, por conseguinte, acaba por se endurecer nessa dinâmica que acontece no entre da relação do porvir com o que o mesmo remete ao inventar, no agir inventivo que possibilita o movimento de devir.
Nesta marcha que é controlada via pensamentos do mesmo em relação ao vir a ser, o que se nota é um modo sufocante de julgamentos apressados sobre uma possível projeção do futuro. Pensa-se tanto e de variadas maneiras que não se sai do mesmo devido a sua característica de não ação. As ações somente pensadas e não efetivadas se tornam uma espécie de singularidade abortada, galhos secos que poderiam ter virado flores.

Pouco se avança em vida neste processo de subjetivação, produzindo muito mais uma repetição de um igual incessante. Assim, o homem em sua relação com o mundo desatualiza-se a si mesmo de maneira crítica, se tornando um escravo, pois, o acaso toma as rédeas, definindo a vida do indivíduo que só tem como saída a lamentação – o murmúrio mental. Suas falas mentais se passam sempre pelo lamento, não retendo nada de aprendizagem nas relações que por ele perpassam. Difícil sair desse circuito tagarela no qual o “ouvido se comunica diretamente com a língua. Tudo o que o tagarela recebe pelo ouvido escoa, derrama-se de imediato no que ele diz e, derramando-se no que ele diz, a coisa ouvida não pode produzir nenhum efeito sobre a própria alma” diria FOUCAULT. Há no processo tagarela que murmura para si mesmo seus ressentimentos um enfraquecimento de alma, fica-se engasgado “por palavras inúteis, de uma quantidade demente de falas e imagens. De modo que o problema não é mais fazer com que as pessoas se exprimam, mas arranjar-lhes vacúolos de solidão e de silêncio a partir dos quais elas teriam, enfim, algo a dizer” já comentará DELEUZE.

O ADIAMENTO DAS UTOPIAS

A produção de um medo individualizado e individualizante, o terrorismo de que se ficará para trás dependendo das posições que se escolha, a ameaça ao sujeito de que poderá perder a sua vida caso tome uma decisão arriscada, aniquila qualquer ação singular e coletiva, mortifica a existência do que insiste em resistir. O sujeito torna-se refém de sua própria passividade, o que o faz hesitar quando convocado a qualquer ação coletiva que coloque em risco seu projeto de vida de propaganda de margarina. Suas tímidas revoltas para com o sistema, quando se dão, são apenas quando algo pessoal lhe atinge. Mais do que isso seria muito esforço... O que está em jogo é o adiamento eterno das utopias, dos sonhos, dos virtuais que são como fantasmas a tensionar o cotidiano posto.

SOBRE AMORES

Amores possíveis nos acompanham,

Já os impossíveis... arrastam!