domingo, 29 de setembro de 2013

SOBRE O DEVIR BICICLETA E A PRÁTICA DO APOIO EM SAÚDE


Um dia, ganhamos uma bicicleta, ficamos felizes mesmo sem saber usar tal objeto que nos faz percorrer ruas, praças e que nos desloca por múltiplas paisagens. Saímos com ela ao lado, cheios de emoção e doidos para experimentar as pedaladas. Talvez, ao subirmos nela é que venha a pergunta: como fazemos isso? As primeiras pedaladas dão medo, impera a certeza de que iremos nos esborrachar no chão, porém para sermos dignos de pedalar temos que superar tal temor.

Ainda bem que ela vem com rodinhas e que, normalmente, alguém nos olha e nos guia sobre como proceder nas pedaladas um tanto desequilibradas de começo. Os dois apoios são necessários, acoplados um no outro: as rodinhas que sustentam a bicicleta ainda bamba para se andar com apenas duas rodas, e o olhar que nos investe de coragem daquele que nos ensina. Ambos são determinantes para aprendermos a sentir a brisa leve que bate no rosto em decorrência da velocidade que ganhamos no pedalar.

Aos poucos, ganhamos independência do olhar e das rodinhas, tira-se uma primeiramente, equilibra-se meio torto ao tirá-la, mas já não temos o mesmo medo de cair e vamos adiante. Arriscamo-nos um pouco mais!

Certo dia, como um dente de leite que cai de nossa boca, nos surpreendemos ao pedalarmos livremente das rodinhas e mesmo do olhar que, sem dúvida, era o mais importante. Importante no sentido de existir uma pessoa que acredita em nós, que nos demonstra segurança, que aponta de maneira sensível, o quão capazes somos de pedalarmos ao longo da vida.

A prática do apoio em saúde, seja feito matricialmente ou institucionalmente, passa muito pelo tal do atributo do olhar que nos investe e que nos enche de segurança e, porque não, de alegria. A alegria de acompanhar a ser livre em determinada trajetória de cuidado, de experienciar em conjunto uma prática que até então se tinha medo de executar por ser demasiadamente inesperada e nova dentro do que se conhecia no cuidar. A aprendizagem se passa pelo apoio a um mundo novo por nascer produtor de deformidades no que se fazia instituído.

AINDA É CEDO


Um dia desses assisti ao filme “Somos tão jovens” que trata da vida de Renato Russo, guia musical/poético de algumas gerações brasileiras. Saí do filme angustiado, com um nó na garganta, com a alma desacomodada e um tanto perdida frente ao mundo. Em se tratando do filme é importante comentar que não é nada demais, com um roteiro um tanto pobre e preocupado em fazer uma sequência perfeita da vida do cantor. Contudo e para, além disso, o fato é que o filme foi uma rememoração do passado, dos sonhos, das expectativas sobre a vida que já tive e que compartilhei com muitos amigos. Sonhos coletivos, desejos revolucionários e algumas ideologias ingênuas em épocas remotas e hoje em dia tão distantes. Literalmente um tapa na cara frente ao que fiz com o meu destino. Em minha opinião o filme poderia ter outro título, a saber: “Ainda é cedo”.

Ainda é cedo para rememorar tais emoções, afetos, vontades de vida que durante a juventude eram tão claras, brilhantes e possíveis. Olhar para esse lugar produz um susto sem tamanho, faz repensar tudo que se viveu, todas as escolhas que foram afunilando cada vez mais a caminhada pela vida. O processo de se “adultizar” parece, de certa forma, nos tornar menor, quase que como se estivéssemos a cada ano sendo espremidos pelos passos que damos no nosso percurso patético pela terra. A cada dia escolhemos algo e essa ação mata milhões de outros possíveis, sonhos que vão ficando no caminho. Eu sei, isso é muito re-sentimento, mas, não estamos livres dele...

Como já escrevi, ainda é cedo para se a ver com tais sonhos colocados para baixo do tapete, reprimidos e transformados em fantasmas que rodam nosso cotidiano posto e acinzentado. Parece que à medida que envelhecemos os sonhos são perdidos na mesma velocidade que as angústias vão aumentando. É um pouco o que Freud nos traz em Mal estar na civilização: se prevenir da infelicidade já é uma grande felicidade, isto é, não nos produzindo angústias já está de bom tamanho para aguentar esse mundo sem sonhos.

O sonho de liberdade propagandeado no social é instalado desde a mais tenra infância. Na adolescência tal ideal chega ao ápice, temos a certeza de que estamos nos libertando cada vez mais, não se sabendo bem do quê, mas algo parece existir, indo além do que se vive, uma esperança que no futuro a liberdade se efetivará. Doce ilusão, ao menos para mim, não sei se todos compartilham, o sentimento é que a cada dia se fica mais amarrado, mais dependente das escolhas que produzimos. As escolhas nos escravizam... Como ir para outra direção depois que nos acomodamos num determinado destino? Como voltar para trás, como correr por caminhos desviantes depois que afirmamos escolhas ao infinito do Universo? Que bárbaro sufocamento é essa vida! O filme Morangos Silvestres de Ingmar Bergman trata disso também. As horas da vida vão passando e os desejos vão se esvaindo como a areia que corre na ampola do tempo. É um sentimento de vertigem que nos abarca ao nos darmos conta do afunilamento do viver. Andamos cambaleando pelas calçadas como o professor exemplar de medicina Isak Borg, condecorado pela Universidade por seus trabalhos prestados mas que não enxerga sentido para os passos que deu ao longo da vida.

Não posso desejar nessa produção de vida angustiante outra coisa senão um retorno à infância, lugar de escolhas ainda rasas, que não têm um enraizamento no qual o andar fica paralisado. A criança brinca de escolher, escolhe uma porção de coisas e depois desiste sem a menor cerimônia. Não se cansa de percorrer caminhos inusitados, se diverte com o estranho ao invés de se aterrorizar e, sobretudo, não se apega a percursos já demasiadamente explorados e cotidianizados. Faço uma ode ao devir criança para tensionar essa “adulteza” que nos deixa tão rasos de sentidos! A estratégia é levar o acaso como potente amigo para sabermos ouvi-lo e aproveitarmos as possibilidades que nos oferece para deslizarmos por esse tempo-espaço que a cada dia nos constrange e nos envelhece. Deixo, para finalizar, a música mais nietzschiana dos Los Hermanos no intuito de nos inspirarmos...


http://letras.mus.br/los-hermanos/67551/

SOBRE O DEVIR LARGATIXA...


Mas que bobagem fechar as janelas

por causa das lagartixas!

Não sabes que elas entram pelas frestas?

Da mesma forma

Não adianta fechar tua alma

Em devir,

Me faço lagartixa

e te invado pelas brechas de teu corpo!

VIOLIDÃO


Na falta de um amor...violão

Para compor...solidão

SOBRE O POETAR E O AMAR....


O futuro é incerto

O presente incorreto

O passado passou

O que podemos fazer com tanto amor?

 

Poeta

Potente,

Poesia corrente...

Algo que dá até dor  na mente,

Nas vias da alma.

 

Mas, calma!

Ao olhar para o lado

Um outro amor é desvelado

E, novamente,

De maneira a deixar contente

Um sorriso nunca antes avistado

Anuncia um novo amante...

O AMOR EM DESCRÉDITO (OU POESIA SONHADA COM CAZUZA)


Não, não acredite no meu amor...

Ele se acabou.

Acordei pela manhã

sentado na varanda.

Com um copo de uísque pela metade

e um cigarro apago.

Nessa manhã cinzenta,

quase que melancólica.

 

Me lembrava de tudo,

das nossas noites

atrás da porta do quarto!

Dos sussurros baixinhos

e do gemido escondido,

era a união perfeita

da música com a letra.


SOBRE AS FLORES...


Flores de carne, flores que saem, flores de ver e de falar também...

Flores que admiras, flores que miras, flores que miam zen....

Sonhos que viram, olhos que piscam, ao sonhar se tem...

Peixes que vibram, peixes libertos, abertos ao que lhes convêm

Distintos se guiam, amigos compilam, uma canção que vem

Violão que grita na voz que habita a embalar seu bem...

SOBRE O ESCREVER

Realmente, a melhor escrita, ou, as melhores idéias nos alcançam em momentos inoportunos, no caso, quando não as esperamos. Pode ser numa noite mal dormida de insônia que resistimos fazer outra coisa senão dormir, assim como depois de muitos goles de vinho já embriagado por Dionísio com o qual somente encontramos linhas tortas.

O fato é que no momento da distração e até mesmo do não querer pensar é que ocorre aquilo que desejamos escrever, mas que sempre acabamos por deixar de lado por imaginar que existirá o momento propício para isso.

Pobre escrita que sucumbe em sua naturalidade quando ambicionamos fazer dela uma burocratização. Os traços neuróticos que tomamos para nós como segurança numa determinada produção somente aniquila o Ato singelo da criação.

O pior disto é que não ocorre somente com a escrita. Por comodidade efetuamos isso por todos os lados de nossas vidas - a cercamos com arame farpado. Atos direcionados em oposição à liberdade da invenção.

Creio que isso possa ter relação com o medo da morte, já que invenção sempre vem acompanhada do falecimento daquilo que tínhamos programado por hora. Logo, podemos presumir que a invenção é a maior de todas as assassinas! Mata o script ao nos jogar para o improviso. Lugar do inesperado paradoxalmente tão esperado pelos humanos medrosos que ficam a protelar tal instante. Como já dissera Nietzsche: Humano, demasiado humano!

Finalizando por hora, uma última frase inspirada por Nietzsche: a revolução, a paixão e a criação somente são possíveis em momentos de esquecimento.

ENCONTROS, CONTOS E DESENCONTROS NO CUIDADO EM SAÚDE


Encontros e contos, contação de histórias, produção de memórias inventivas no entre da relação de cuidado, a singularidade da vida de cada um compartilhada em favor do encontro entre usuários e trabalhadores de saúde. Essas são algumas ações que podemos vislumbrar como potência de cuidado quando o encontro de saúde se passa pelo compartilhamento da vida, pela contaminação afectiva que cada sujeito em sua alteridade transmite ao outro. O trabalhador de saúde escapa do jaleco e dos meros procedimentos que caracterizam sua profissão, o usuário de saúde se engrandece e não fica reduzido a doença, assim como ganha nome, com o significado usuário/paciente se esvaindo. A troca de contos sobre a vida nos encontros de cuidado é de uma obra de arte insuperável, um espaço de criação de mundos com os quais se desviam das doenças para se abrir ao outro. São sujeitos com história, percorridos por emoções, sentimentos, medos, angústias, os quais se tornam humanos para além das siglas que tentam separar profissionais e usuários ao se encontrarem num estabelecimento de saúde.

A partir dos caminhos que o SUS foi percorrendo em sua história, alguns dispositivos de cuidado começaram a ser inventados para dar conta de determinadas intenções em como produzir cuidado. Percebeu-se o quanto era importante acolher o sujeito em sofrimento como um todo, em sua complexidade de vida, para dar conta de um cuidado integral e humanizado. Como fazer isso? Que ações poderíamos elencar como primordiais para o trabalhador de saúde chegar a tal proposta? Por que isso muitas vezes não é feito? O que está impedido, empacado, para que não se consiga acolher um usuário de maneira integral e humanizada?

            Creio que temos aí um processo histórico que conduziu os saberes e práticas das disciplinas de saúde para um lugar distante daqueles que estão recebendo cuidado, isto é, se construiu uma ideia com a qual os trabalhadores de saúde devem ser neutros, inacessíveis aos afectos que transpassam a relação cuidador-usuário. Ao cuidador não é permitido investir sua libido no ato de cuidado, libido essa que é, justamente, o que nos move em vida, o que nos possibilita estar em relação ao nos depararmos com um encontro. O profissional de saúde “dês-libidinizado” deve se manter distante, em certo altar ao longe e nas alturas de onde possa visualizar o usuário sem desviar seu olhar do procedimento técnico que deve realizar. Suas ações são pautadas apenas pelos conhecimentos que aprendera na graduação, sem a possibilidade de abrir-se para o encontro que é provocador de invenções de novas tecnologias de cuidado – de vida. Por isso, podemos arriscar a dizer, que tal prática anestesiadora da libido prefere a triagem ao invés do acolhimento, a consultoria técnica ao invés do apoio, a prática voltada para a doença ao invés da escuta qualificada junto ao sujeito em sofrimento.

            O que está implícito nessa lógica de cuidado é o impedimento de um encontro que envolve relacionar-se com o outro no que o mesmo tem de alteridade. Possibilidade de diferença que desvia a história das disciplinas de cuidado e, sobretudo, a história de vida do cuidador ali abarcado pelo acontecimento que é o encontro com o outro. Nessa negação para com o encontro, o que se joga fora é a história dos sujeitos que estão cara a cara na prática de cuidado, é preciso focar-se na doença e no procedimento para sanar a questão, sem maiores envolvimentos sobre a bagagem que cada um traz junto às relações que produz em vida.

Saber da história do outro nos joga para a diferença, um desassossego que tira nosso foco de cuidado enquanto cuidadores, não vemos mais a doença, olhamos o sujeito em sofrimento com toda a sua potencialidade de vida, padecemos juntos, e o corpo dói, se angustia de maneira compartilhada. Somos tocados! Neste sentido, o corpo distante do cuidador quando tocado é desestabilizado, fica desnorteado em sua disciplina até então reguladora de suas ações, se mostra indisciplinado...

VEJA BEM...

Para abrir a musicalidade deste blog é preciso colocar uma das minhas flores favoritas...

http://www.youtube.com/watch?v=Ncm8jbmWgN4

A TÉCNICA DE CONTROLE DO NÃO SE OLHAR


Em seu célebre livro 1984, George Orwell, mostra o extraordinário medo que os mecanismos de controle podem produzir num social despedaçado. Os indivíduos não se olham, não se permitem arriscarem confidenciar as angústias coletivas que os afligem e que não podem ser enunciadas. A troca de olhar já se torna um ato subversivo. Ninguém se olha, aliás, o controle é tão duro e efetivo que nem ao menos os indivíduos se permitem olharem para si mesmos. Social que não se olha...  Eis o mecanismo máximo de controle!

Na relação do olhar confidenciamos, somos um indivíduo povoado pelos outros, permitimos a passagem de afetos compartilhados. Uma sociedade que não tem a intimidade do olhar fica sem alma, à beira da morte do que pode ser produzido enquanto diferença. O olhar nos olhos do outro possibilita uma utopia, um ato de vislumbrar fantasmas que assombram o real dado e cotidianizado, tido como único possível. Vemos a partir do outro que o mundo não tem apenas um modo de fazer história. Quem tem coragem de olhar? O risco é grande porém sincero...

O olhar para o outro em 1984 causava imenso medo, um completo desamparo frente ao ideal do social ali imposto se instalava, um ideal produzido pelo social e enraizado até a última profundidade do interior de cada homem. Existia o medo de ser pego, de ser punido com torturas e mesmo com a morte. Mas, o medo maior se dava por o indivíduo poder compartilhar com o outro o sentimento de que algo não ia bem, de que a vida não fazia sentido diante da lógica imposta, e que se devia ter força para inventar um desvio nesse modo de operar o social. Quem tem coragem de olhar? O risco é o do falecimento de si mesmo...

Na troca de olhar subversiva de 1984, além do medo apavorante que quase fazia se desistir do olhar, existia um ato inventivo que atravessa esse momento, um instante de discordância, de contrassenso para com aquilo que todos fingiam compartilhar enquanto modo de viver. Mas como compartilhar com o outro sem o olhar? É possível? Os mecanismos de controle são tão efetivos que apenas eles têm o direito de invadir cada residência para olhar cada indivíduo. O homem é intimidado, só podendo abaixar a cabeça frente ao controle imposto. Quem tem coragem de olhar? O risco é de perceber que ninguém te olha/controla o tempo todo...

A produção de um medo individualizado e individualizante, o terrorismo de que se ficará para trás dependendo das posições que se escolhe, a ameaça ao indivíduo que poderá perder a sua vida caso tome uma decisão arriscada, aniquila qualquer ação coletiva, mortifica a resistência política! O indivíduo torna-se refém de sua própria passividade produzida ao longo dos anos e o faz desistir de qualquer ação coletiva que coloque seu projeto de vida em risco. Suas tímidas revoltas para com o sistema, quando se dão, são apenas metas pessoais a serem atingidas, pois, mais do que isso seria muito esforço. O que está em jogo é a proibição das utopias, das virtualidades que são como fantasmas a tensionar o cotidiano posto...

SOBRE O CARTÓGRAFO...


A cartografia pode ser pensada como o viver a vida, o viver a vida como uma espécie de atenção flutuante para as intensidades, para aquilo que nos racha, que nos adentra e que ao mesmo tempo nos põe para fora rumo a paisagens incomuns. E acho que infelizmente, por sermos demasiado humanos, na maioria das vezes, só prestamos atenção para as intensidades em momentos de fragilidades, em instantes em que a vida nos obrigada a caminhar de maneira mais vagarosa e ao mesmo tempo sensível. O pesquisador só é cartógrafo quando se dispõe a ser frágil. E a frase do Guimarães é linda mesmo: qualquer amor é saúde para a doença ou, qualquer amor é instituinte para a instituição...

SOBRE AS CONTRADIÇÕES DAS PALAVRAS...

Se a palavra inferno está mais próxima de inverno, por quê dizem que lá é quente?

SOBRE O CAPITALISMO


A angústia transita pela troca de moedas...

SOBRE SETEMBRO...

A estrada está repleta de folhas secas trazidas pelo vento que anuncia a primavera.
Logo ali, o inverno mais frio e demorado estará vencido...

Sobre o medo...

Ele se faz muito mais sobre o que virá do que propriamente pelo desafio que estamos a passar...