domingo, 29 de setembro de 2013

ENCONTROS, CONTOS E DESENCONTROS NO CUIDADO EM SAÚDE


Encontros e contos, contação de histórias, produção de memórias inventivas no entre da relação de cuidado, a singularidade da vida de cada um compartilhada em favor do encontro entre usuários e trabalhadores de saúde. Essas são algumas ações que podemos vislumbrar como potência de cuidado quando o encontro de saúde se passa pelo compartilhamento da vida, pela contaminação afectiva que cada sujeito em sua alteridade transmite ao outro. O trabalhador de saúde escapa do jaleco e dos meros procedimentos que caracterizam sua profissão, o usuário de saúde se engrandece e não fica reduzido a doença, assim como ganha nome, com o significado usuário/paciente se esvaindo. A troca de contos sobre a vida nos encontros de cuidado é de uma obra de arte insuperável, um espaço de criação de mundos com os quais se desviam das doenças para se abrir ao outro. São sujeitos com história, percorridos por emoções, sentimentos, medos, angústias, os quais se tornam humanos para além das siglas que tentam separar profissionais e usuários ao se encontrarem num estabelecimento de saúde.

A partir dos caminhos que o SUS foi percorrendo em sua história, alguns dispositivos de cuidado começaram a ser inventados para dar conta de determinadas intenções em como produzir cuidado. Percebeu-se o quanto era importante acolher o sujeito em sofrimento como um todo, em sua complexidade de vida, para dar conta de um cuidado integral e humanizado. Como fazer isso? Que ações poderíamos elencar como primordiais para o trabalhador de saúde chegar a tal proposta? Por que isso muitas vezes não é feito? O que está impedido, empacado, para que não se consiga acolher um usuário de maneira integral e humanizada?

            Creio que temos aí um processo histórico que conduziu os saberes e práticas das disciplinas de saúde para um lugar distante daqueles que estão recebendo cuidado, isto é, se construiu uma ideia com a qual os trabalhadores de saúde devem ser neutros, inacessíveis aos afectos que transpassam a relação cuidador-usuário. Ao cuidador não é permitido investir sua libido no ato de cuidado, libido essa que é, justamente, o que nos move em vida, o que nos possibilita estar em relação ao nos depararmos com um encontro. O profissional de saúde “dês-libidinizado” deve se manter distante, em certo altar ao longe e nas alturas de onde possa visualizar o usuário sem desviar seu olhar do procedimento técnico que deve realizar. Suas ações são pautadas apenas pelos conhecimentos que aprendera na graduação, sem a possibilidade de abrir-se para o encontro que é provocador de invenções de novas tecnologias de cuidado – de vida. Por isso, podemos arriscar a dizer, que tal prática anestesiadora da libido prefere a triagem ao invés do acolhimento, a consultoria técnica ao invés do apoio, a prática voltada para a doença ao invés da escuta qualificada junto ao sujeito em sofrimento.

            O que está implícito nessa lógica de cuidado é o impedimento de um encontro que envolve relacionar-se com o outro no que o mesmo tem de alteridade. Possibilidade de diferença que desvia a história das disciplinas de cuidado e, sobretudo, a história de vida do cuidador ali abarcado pelo acontecimento que é o encontro com o outro. Nessa negação para com o encontro, o que se joga fora é a história dos sujeitos que estão cara a cara na prática de cuidado, é preciso focar-se na doença e no procedimento para sanar a questão, sem maiores envolvimentos sobre a bagagem que cada um traz junto às relações que produz em vida.

Saber da história do outro nos joga para a diferença, um desassossego que tira nosso foco de cuidado enquanto cuidadores, não vemos mais a doença, olhamos o sujeito em sofrimento com toda a sua potencialidade de vida, padecemos juntos, e o corpo dói, se angustia de maneira compartilhada. Somos tocados! Neste sentido, o corpo distante do cuidador quando tocado é desestabilizado, fica desnorteado em sua disciplina até então reguladora de suas ações, se mostra indisciplinado...

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