Encontros e contos, contação de histórias,
produção de memórias inventivas no entre da relação de cuidado, a singularidade
da vida de cada um compartilhada em favor do encontro entre usuários e
trabalhadores de saúde. Essas são algumas ações que podemos vislumbrar como
potência de cuidado quando o encontro de saúde se passa pelo compartilhamento
da vida, pela contaminação afectiva que cada sujeito em sua alteridade
transmite ao outro. O trabalhador de saúde escapa do jaleco e dos meros
procedimentos que caracterizam sua profissão, o usuário de saúde se engrandece
e não fica reduzido a doença, assim como ganha nome, com o significado usuário/paciente
se esvaindo. A troca de contos sobre a vida nos encontros de cuidado é de uma
obra de arte insuperável, um espaço de criação de mundos com os quais se desviam
das doenças para se abrir ao outro. São sujeitos com história, percorridos por
emoções, sentimentos, medos, angústias, os quais se tornam humanos para além
das siglas que tentam separar profissionais e usuários ao se encontrarem num
estabelecimento de saúde.
A partir dos caminhos
que o SUS foi percorrendo em sua história, alguns dispositivos de cuidado
começaram a ser inventados para dar conta de determinadas intenções em como
produzir cuidado. Percebeu-se o quanto era importante acolher o sujeito em
sofrimento como um todo, em sua complexidade de vida, para dar conta de um
cuidado integral e humanizado. Como fazer isso? Que ações poderíamos elencar
como primordiais para o trabalhador de saúde chegar a tal proposta? Por que
isso muitas vezes não é feito? O que está impedido, empacado, para que não se
consiga acolher um usuário de maneira integral e humanizada?
Creio
que temos aí um processo histórico que conduziu os saberes e práticas das
disciplinas de saúde para um lugar distante daqueles que estão recebendo
cuidado, isto é, se construiu uma ideia com a qual os trabalhadores de saúde
devem ser neutros, inacessíveis aos afectos que transpassam a relação
cuidador-usuário. Ao cuidador não é permitido investir sua libido no ato de
cuidado, libido essa que é, justamente, o que nos move em vida, o que nos
possibilita estar em relação ao nos depararmos com um encontro. O profissional
de saúde “dês-libidinizado” deve se manter distante, em certo altar ao longe e
nas alturas de onde possa visualizar o usuário sem desviar seu olhar do
procedimento técnico que deve realizar. Suas ações são pautadas apenas pelos
conhecimentos que aprendera na graduação, sem a possibilidade de abrir-se para
o encontro que é provocador de invenções de novas tecnologias de cuidado – de
vida. Por isso, podemos arriscar a dizer, que tal prática anestesiadora da
libido prefere a triagem ao invés do acolhimento, a consultoria técnica ao
invés do apoio, a prática voltada para a doença ao invés da escuta qualificada
junto ao sujeito em sofrimento.
O
que está implícito nessa lógica de cuidado é o impedimento de um encontro que
envolve relacionar-se com o outro no que o mesmo tem de alteridade.
Possibilidade de diferença que desvia a história das disciplinas de cuidado e,
sobretudo, a história de vida do cuidador ali abarcado pelo acontecimento que é
o encontro com o outro. Nessa negação para com o encontro, o que se joga fora é
a história dos sujeitos que estão cara a cara na prática de cuidado, é preciso
focar-se na doença e no procedimento para sanar a questão, sem maiores
envolvimentos sobre a bagagem que cada um traz junto às relações que produz em
vida.
Saber da história do
outro nos joga para a diferença, um desassossego que tira nosso foco de cuidado
enquanto cuidadores, não vemos mais a doença, olhamos o sujeito em sofrimento
com toda a sua potencialidade de vida, padecemos juntos, e o corpo dói, se
angustia de maneira compartilhada. Somos tocados! Neste sentido, o corpo
distante do cuidador quando tocado é desestabilizado, fica desnorteado em sua
disciplina até então reguladora de suas ações, se mostra indisciplinado...
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