domingo, 29 de setembro de 2013

A TÉCNICA DE CONTROLE DO NÃO SE OLHAR


Em seu célebre livro 1984, George Orwell, mostra o extraordinário medo que os mecanismos de controle podem produzir num social despedaçado. Os indivíduos não se olham, não se permitem arriscarem confidenciar as angústias coletivas que os afligem e que não podem ser enunciadas. A troca de olhar já se torna um ato subversivo. Ninguém se olha, aliás, o controle é tão duro e efetivo que nem ao menos os indivíduos se permitem olharem para si mesmos. Social que não se olha...  Eis o mecanismo máximo de controle!

Na relação do olhar confidenciamos, somos um indivíduo povoado pelos outros, permitimos a passagem de afetos compartilhados. Uma sociedade que não tem a intimidade do olhar fica sem alma, à beira da morte do que pode ser produzido enquanto diferença. O olhar nos olhos do outro possibilita uma utopia, um ato de vislumbrar fantasmas que assombram o real dado e cotidianizado, tido como único possível. Vemos a partir do outro que o mundo não tem apenas um modo de fazer história. Quem tem coragem de olhar? O risco é grande porém sincero...

O olhar para o outro em 1984 causava imenso medo, um completo desamparo frente ao ideal do social ali imposto se instalava, um ideal produzido pelo social e enraizado até a última profundidade do interior de cada homem. Existia o medo de ser pego, de ser punido com torturas e mesmo com a morte. Mas, o medo maior se dava por o indivíduo poder compartilhar com o outro o sentimento de que algo não ia bem, de que a vida não fazia sentido diante da lógica imposta, e que se devia ter força para inventar um desvio nesse modo de operar o social. Quem tem coragem de olhar? O risco é o do falecimento de si mesmo...

Na troca de olhar subversiva de 1984, além do medo apavorante que quase fazia se desistir do olhar, existia um ato inventivo que atravessa esse momento, um instante de discordância, de contrassenso para com aquilo que todos fingiam compartilhar enquanto modo de viver. Mas como compartilhar com o outro sem o olhar? É possível? Os mecanismos de controle são tão efetivos que apenas eles têm o direito de invadir cada residência para olhar cada indivíduo. O homem é intimidado, só podendo abaixar a cabeça frente ao controle imposto. Quem tem coragem de olhar? O risco é de perceber que ninguém te olha/controla o tempo todo...

A produção de um medo individualizado e individualizante, o terrorismo de que se ficará para trás dependendo das posições que se escolhe, a ameaça ao indivíduo que poderá perder a sua vida caso tome uma decisão arriscada, aniquila qualquer ação coletiva, mortifica a resistência política! O indivíduo torna-se refém de sua própria passividade produzida ao longo dos anos e o faz desistir de qualquer ação coletiva que coloque seu projeto de vida em risco. Suas tímidas revoltas para com o sistema, quando se dão, são apenas metas pessoais a serem atingidas, pois, mais do que isso seria muito esforço. O que está em jogo é a proibição das utopias, das virtualidades que são como fantasmas a tensionar o cotidiano posto...

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