Em seu célebre livro
1984, George Orwell, mostra o extraordinário medo que os mecanismos de controle
podem produzir num social despedaçado. Os indivíduos não se olham, não se
permitem arriscarem confidenciar as angústias coletivas que os afligem e que
não podem ser enunciadas. A troca de olhar já se torna um ato subversivo. Ninguém
se olha, aliás, o controle é tão duro e efetivo que nem ao menos os indivíduos
se permitem olharem para si mesmos. Social que não se olha... Eis o mecanismo máximo de controle!
Na relação do olhar
confidenciamos, somos um indivíduo povoado pelos outros, permitimos a passagem
de afetos compartilhados. Uma sociedade que não tem a intimidade do olhar fica
sem alma, à beira da morte do que pode ser produzido enquanto diferença. O
olhar nos olhos do outro possibilita uma utopia, um ato de vislumbrar fantasmas
que assombram o real dado e cotidianizado, tido como único possível. Vemos a
partir do outro que o mundo não tem apenas um modo de fazer história. Quem tem
coragem de olhar? O risco é grande porém sincero...
O olhar para o outro em
1984 causava imenso medo, um completo desamparo frente ao ideal do social ali
imposto se instalava, um ideal produzido pelo social e enraizado até a última
profundidade do interior de cada homem. Existia o medo de ser pego, de ser
punido com torturas e mesmo com a morte. Mas, o medo maior se dava por o
indivíduo poder compartilhar com o outro o sentimento de que algo não ia bem,
de que a vida não fazia sentido diante da lógica imposta, e que se devia ter
força para inventar um desvio nesse modo de operar o social. Quem tem coragem
de olhar? O risco é o do falecimento de si mesmo...
Na troca de olhar
subversiva de 1984, além do medo apavorante que quase fazia se desistir do
olhar, existia um ato inventivo que atravessa esse momento, um instante de
discordância, de contrassenso para com aquilo que todos fingiam compartilhar
enquanto modo de viver. Mas como compartilhar com o outro sem o olhar? É
possível? Os mecanismos de controle são tão efetivos que apenas eles têm o
direito de invadir cada residência para olhar cada indivíduo. O homem é
intimidado, só podendo abaixar a cabeça frente ao controle imposto. Quem tem
coragem de olhar? O risco é de perceber que ninguém te olha/controla o tempo
todo...
A produção de um medo
individualizado e individualizante, o terrorismo de que se ficará para trás
dependendo das posições que se escolhe, a ameaça ao indivíduo que poderá perder
a sua vida caso tome uma decisão arriscada, aniquila qualquer ação coletiva,
mortifica a resistência política! O indivíduo torna-se refém de sua própria
passividade produzida ao longo dos anos e o faz desistir de qualquer ação
coletiva que coloque seu projeto de vida em risco. Suas tímidas revoltas para
com o sistema, quando se dão, são apenas metas pessoais a serem atingidas,
pois, mais do que isso seria muito esforço. O que está em jogo é a proibição
das utopias, das virtualidades que são como fantasmas a tensionar o cotidiano
posto...
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