Este blog trata das viagens do cotidiano, das imagens que invadem a vida na insistência de uma convocação para um mais viver...
sábado, 9 de novembro de 2013
UM VERSO DESVIANTE NO UNIVERSO
No Universo o devir irrompe como possibilidade quando uma estrela cadente arranha o céu com a incerteza de onde irá pousar...
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
POEMA DO VAZIO
Um gosto amargo,
Coração apertado,
Corpo quente a sentir calafrios...
Tremo,
em sua presença,
Temo,
não haver poema
para findar meu desejo...
Quantas palavras para se aproximar,
Poucas palavras para se afastar,
A embriaguez dos sentidos desperdiça as palavras...
Como ficar na embriaguez sem cambalear?
Delinear o desejo em insinuações,
Delirar futuras ilusões...
O gosto amargo persiste,
Insiste sua presença para o incômodo não ser anestesiado,
O desassossego dessa vida é maçante,
Por vezes, intolerável!
Com o tempo fica indolor,
Mas isso ocorre quando desistimos de cultuar a dor...
O que nos resta neste momento?
Sofrimento pela dor perdida?
O vazio toma conta e morremos de medo por não possuir mais a
dor já desinvestida...
A dor... O amor,
Palavras próximas e ao mesmo tempo distantes,
Só ama quem deixa doer,
Só dói quem deixa amar...
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
A HORA DO SOCO E O RIDÍCULO QUE SE REBAIXA AO AMOR
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo...
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo...
(Álvaro
de Campos – Poema em Linha Reta)
Sociedade do espetáculo, cultura da
imagem, da sustentação de uma performance de campeão em tudo! Difícil ser
humano quando se exige um eterno acerto nos atos da vida, sobretudo, quando o
desafinar frente ao pedido de perfeição é algo elementar na invenção do
sujeito. Para Pessoa (BERNARDO SOARES, p.132) a “vitória é uma grosseiria”,
aqueles que sempre vencem perdem a possibilidade do desalento, da solidão
instalada pela derrota que fere ao apontar as fragilidades. Humanos sem alma
esses que somente vencem, ficam sossegados.
Fernando Pessoa, que em sua obra em
muitos momentos faz uma ode a derrota, deseja as feridas e não o anestesiamento
das dores que uma vitória pode adiar. Problematiza a perfeição instalada no
homem desde os tempos plantônicos. E
parece que nos dias de hoje ainda a vontade do ideal prevalece, imagem que
ganha mais força a partir dos fluxos capitalísticos que inspiram a competição
desenfreada no seio do social. Competição que faz de cada ser humano um lugar
do consumo de imagens vencedoras. Temos que sempre nos apresentarmos bem,
ganhadores, sem espaço para insucessos. A maquiagem impera e os borrões
advindos das lágrimas de tristezas escondidas num rosto bonito são deletadas,
não aparecem nas fotos dos facebooks da vida. O que não é permitido surgir
quando o fracasso se torna proibido?
Pessoa nos proporciona algumas
pistas... Ele sente falta de gente no mundo, de pessoas humanas, encarnadas no
que é próprio da espécie, a saber, um animal que brinca, que sente medo, chora
e ri, que acerta sim, mas, possivelmente, depois de muitas tentativas errantes.
Esse percorrer a vida sem a intenção de ser acertivo, exato, burocrata nas
relações e ações que a vida provoca parece ser a dica do que Pessoa se recente
na humanidade com a qual convive:
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana, que me
confessasse uma infâmea, que contasse um ato de covardia [...] Onde há gente no
mundo?
(Álvaro de Campos – Poema em Linha Reta)
Diante deste panorama podemos trazer
ao pensamento o papel da clínica na atualidade. Ela que vem sendo transformada
pelas tecnologias, por complexos aparelhos que mapeam o sistema cerebral, por
uma variedade enorme de medicamentos sempre promovidos na mídia e com
certificado científico que confirma sua capacidade de cura. Estamos quase lá
anuncia o iludido preso na cela da verdade científica! Atravessado por essa
lógica, por quais caminhos podemos percorrer na prática clínica, o que queremos
com ela, ou melhor, o que ela pode querer?
Se a pautarmos por essa lógica do acerto, do humano sempre vitorioso,
teremos uma clínica sem possibilidades de se angustiar com as perdas, com os
caminhos errantes que não se sabe onde vai parar. Ela se guiaria por um
tratamento que limita o humano a um traçado justo, já desenhado e previsível
pelo ideal da vitória. A clínica volta-se para uma proibição das imperfeições,
mingua a criação de personagens não apropriados por certa modelagem de como
viver. É como a clínica das cirurgias estéticas que procura o corpo perfeito, ou,
da a clínica medicamentosa que abafa os possíveis mal-estar advindos do que não
se encontra tão “quadradinho” na vida.
É uma clínica que não admite a imprevisibilidade e a fatalidade de que o
humano é falho/imperfeito. Só possui um personagem homogeneizante das
singularidades da vida em seu discurso de “cuidado”. Tenta suprimir o humano que
escreve cartas de amor ridículas, que tem angústia por coisa pouca, que é uma
imensidão de sentimentos que vão da mais alta potência ao mais baixo das
sensações – tenta, equilibrar o desequilíbrio do homem. É uma injeção de
assossegamento...
Como atender alguém que chega impregnado de moralidades e julgamentos sobre
si mesmo se não admitirmos que isso é do homem em seu fracasso relacional com a
vida? Como pretender desgarrar o humano de seus medos e mesquinharias se isso
também é seu, pois, na maioria das vezes, quando a hora do soco surge, nos
agachamos para fora da possibilidade do soco?
A vida que perpassa a
clínica é um pouco assim, fracassada, repleta de atos ridículos que percorrem
“paisagens errantes em um trajeto que ruma para a produção de sentidos”. E são
esses trajetos um tanto atrapalhados, pouco adeptos a uma modelagem, errantes por
natureza, que nos tornam humanos e potentes em sempre inventar mundos,
singularidades. A poesia de pessoa na sua diversidade de heterônimos parece
indicar a clínica tal trajeto atrapalhado, um caminho inventivo e diversificado
com o qual ainda estamos por vir a saber, que implica a cada encontro construir
um mundo diferente, distante da ilusão do certo e do errado, da verdade e de
suas certezas. A clínica, bem como a vida estão em processo de invenção por
conta das incertezas que constituem o mundo, ou melhor, os mundos. Pessoa
parece nos indicar que a cada encontro, a cada heterônimo nos é possível
inaugurar um novo mundo, dasassossegar o que até então tínhamos como possível.
Afinal, como Bernardo Soares mesmo comenta: “Como tudo cansa se é uma coisa
definida!” (p.171).
NOVAS MANEIRAS DE FINGIR COMPREENDER O MUNDO
Como
compreender o mundo? É possível fazê-lo de maneira universalizante? Humano
demasiado humano... Temos uma forte atração em querer a tudo dar um norte
apenas. O mundo, certamente, seria mais fácil, menos angustiante, porém,
possivelmente estaria morto em poesia... Não foram poucas as tentativas de
apreender o mundo diante de uma figura, de uma verdade universal que nos
dissesse: é por aqui rebanho!
Alberto Caeiro, em O Guardador de
Rebanho, questiona o universalismo do Deus dono de tudo diante da natureza em
sua generosa multiplicidade:
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e Luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como ávores e montes e flores e luar e sol...
(Alberto Caeiro, p. 220)
Será que devemos nomear Deus para toda a criação do universo? Será que Deus
diz sobre árvores, flores, cantos de pássaros, montes e o que mais pudermos
avistar? Poderia dizer sobre as relações humanas, como se portar perante elas?
Nosso poeta dá as costas para esse Deus dominador/moral e pensa que se ele ao
mundo deu infinitas possibilidades de existência, da mesma forma, não sente
necessidade que tais criações sejam nomeadas por seu nome.
Contudo, Pessoa, em Bernardo Soares,
não se dá por satisfeito e aponta outros possíveis lugares que têm a pretensão
de dominar a verdade, de realizar um universalismo. Ele comenta: “Passar
dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela”
(BERNARDO SOARES, p.66). A
ciência e seu racionalismo sofre da mesma pretensão divina/platônica de
alcançar o mundo das ideias – nos torna presidiários também de suas certezas.
Pessoa, ao longo de sua obra,
tensiona esses manipansos, lugares enfeitiçados de verdade, que não correm o
risco de se perderem no fluxo da vida incerta. Voltando ao Platão e o lendo de
maneira inversa, Pessoa expressa a incerteza da vida a partir da ideia do
simulacro, daquilo que a cada passo se distancia de uma verdade posta como
definitiva, despreza o mundo ideal: “Nunca
fui senão um vestígio e um simulacro de mim” (BERNARDO SOARES, P.129).
Para
o poeta, tal prerrogativa da incerteza na existência é ponto fundamental para
não nos iludirmos com a vontade de verdade sobre o mundo. Escrevera ele: “É
sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta”. A dúvida, a
incapacidade de apreendermos o mundo enquanto verdade absoluta é o que nos move,
nos embala a inventar novos mundos. É por aí que Fernando Pessoa sente a
necessidade de inventar poetas, alguns próximos a ele, outros mais distantes,
cada um inventando um mundo, ou, como bem poetara, cada um fingindo entendê-lo
a partir de seu olhar:
O
fenômeno da minha despersonalização instintiva a que aludi em minha carta
anterior, para explicação da existência dos heterônimos, conduz naturalmente a
essa definição. Não evoluo, viaJo. Vou mudando de personalidade, vou (aqui é
que pode haver evolução) enriquecendo-me na capacidade de criar personalidades
novas, novos tipos de fingir que compreendo o mundo, ou, antes, de fingir que
se pode compreendê-lo. Por isso dei essa marcha em mim como comparável, não a
uma evolução, mas a uma viagem: não subi de um andar para outro; segui, em
planície, de um para outro lugar. Perdi, é certo, algumas simplezas e
ingenuidades, que havia nos meus poemas de adolescência; isso, porém, não é
evolução, mas envelhecimento.
A cada personalidade
criada, um mundo aberto em suas verdades, verdades paralelas, dissonantes,
conflitantes que ao longo da obra de Pessoa vão discutindo umas com as outras
sem, de maneira nenhuma, chegar a um consenso. O consenso entre elas é o não
senso. O importante é criar, dar diversidade ao mundo, transformando-o em
mundos diversos. A vida está para além das regras que cotidianizam o mundo, ela
é pulsante e em seu transitar desassossega o ocorrido regrado. Pessoa necessita
de liberdade e a visualiza a partir da tensão que coloca entre o cotidiano demasiado
cinza e sua poesia libertadora do pensar. Não devemos ser servos da norma, do
cotidiano, a norma e seus modos de viver no mundo é que devem nos servir.
Pessoa, em Bernardo Soares, oferece uma imagem poética arrasadora sobre o
aproveitar-se das regras gramaticais ao fazer poesia:
Suponhamos que vejo diante de nós uma
rapariga de modos masculinos. Um ente humano vulgar dirá dela. “Aquela rapariga
parece um rapaz”. Um outro ente humano vulgar já mais próximo da consciência de
que falar é dizer, dirá dela, “Aquela rapariga é um rapaz. Outro ainda,
igualmente consciente dos deveres da expressão, mas mais animado do afecto pela
concisão, que é luxúria do pensamento, dirá dela, “Aquele rapaz”. Eu direi,
“Aquela rapaz”, violando a mais elementar das regras da gramática, que manda
que haja concordância de gênero, como de número, entre a voz substantiva e a
adjectiva. E terei dito bem; terei falado em absoluto, fotograficamente, fora
da chateza, da norma, e da quotidianidade. Não terei falado: terei dito.
Obedeça
à gramática quem não sabe pensar o que sente. Sirva-se dela quem sabe mandar
nas suas expressões. (BERNARDO SOARES, 113).
sábado, 19 de outubro de 2013
SOBRE O HOMEM E A PERFEIÇÃO
O
homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do
cristão a perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budista a
perfeição de não haver o homem.
(Fernando Pessoa)
(Fernando Pessoa)
POESIA DIONISÍACA
Com o medo do tempo que passa
Passa por mim o tempo do medo
A organização é a maneira mais privilegiada de ser medíocre...
Recomendo muito este baita filme! Repleto de poesia, delírio, amor, desformidades num cotidiano posto...
http://www.youtube.com/watch?v=XEgqpw8mPoc
Passa por mim o tempo do medo
A organização é a maneira mais privilegiada de ser medíocre...
Recomendo muito este baita filme! Repleto de poesia, delírio, amor, desformidades num cotidiano posto...
http://www.youtube.com/watch?v=XEgqpw8mPoc
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
SOBRE O DIA DO PROFESSOR OU AS HIERARQUIAS ESTÃO A FAVOR DA REGULAMENTAÇÃO DOS AFETOS
Não
presto muita atenção em datas comemorativas, soam estranhas... Tirando a
comemoração de nascimentos, que me atraem creio eu pelo atravessamento
astrológico que levo junto comigo, o restante das comemorações me parecem um
tanto sem sentido, sem tempero. Contudo, dia 15 de outubro, que até receber o
primeiro parabéns não me lembrava que era o dia do professor, me tocou, algo
estranho me tomava a cada congratulação. Talvez, por ser o primeiro ano que
estou “oficialmente” lecionando, ainda não me acostumei com a profissão, seu
dia-a-dia, e com a própria representação do ser professor que depositam em mim.
Estranhei...
Entretanto,
ao pensar sobre o dia, sobre a profissão e sobre esse encontro que ocorre no
ato de ensinar-aprender, percebi que o estranhamento está para além desse
processo de inauguração que passo neste ano. A primeira coisa que pensei quando
me deram parabéns foi: será que existe o dia do aluno? E como separar essa
dupla nas comemorações se tais atores sempre estão juntos?
O
processo de ensino-aprendizagem só existe em dupla, isto é, como já comentei,
entre professor e aluno, sendo que, na verdade, ambos ensinam e aprendem um com
o outro. Que pretensão achar que um professor, diante de um pouco mais ou um
pouco menos de 20 pessoas somente iria ensinar e não aprender! É incrível o
quanto se aprende enquanto professor ao praticar o ato de ensinar. Arrisco a
dizer que aprendemos muito mais quando ensinamos do que quando estamos a
aprender, se é que essa separação ainda é possível. Ao menos foi esse o
sentimento que me deparei desde as primeiras oportunidades que tive de dar
aula. E não precisamos ficar somente neste exemplo mais clássico advindo da
instituição educação, se formos observar a relação pai-filho, mãe-filho, como
poderíamos imaginar que somente a criança está a aprender e os pais a ensinar? Os
pais, no ato de cuidar, são convocados a se reinventar, rever posições, ideais,
afetos que até então tinham um contorno já devidamente constituído. Creio que
ficam de pernas para o ar e têm que aprender a lidar com isso...
Como psicólogo, no que
tange a clínica, também me parece que o processo terapêutico ocorre com a
dupla, entre paciente e terapeuta, não pendendo apenas para um lado o ato de
ensinar e para o outro o ato de aprender. A dupla percorre sofrimentos,
angústias, inventam vida no cotidiano posto. Há ensinamento-aprendizagem mútuo!
Ou melhor, a produção de um encontro analítico ocorre à medida que são
percorridos os afetos de ambos, analista e analisando, cada um seu lugar, inventam
em conjunto estratégias para se elevarem ao que está colocado enquanto
angústia. Não há terapeuta neste mundo que não se reinvente a cada encontro com
o paciente.
As relações de amizade
também percorrem esse processo de ensino-aprendizagem, nas trocas afetivas
entre amigos aprendemos e ensinamos. Talvez, longe dessas hierarquias de
professor-aluno, pais-filho, terapeuta-paciente, a relação de amizade seja a
mais potente troca de aprendizagem que pode existir, pois nela ninguém quer
ensinar ou aprender com o outro, ao menos, não se tem essa pretensão. As
experimentações que ocorrem com essa dupla não têm a intenção de ensinamento, e
muito menos se está preocupado com certa postura que implica estar mais ou
menos contido na relação de acordo com a posição que se assume como ocorre
entre professor e aluno, pais e filho, terapeuta e paciente.
Exposto meu pensar,
gostaria de compartilhar o dia do professor junto aos alunos e reivindicar a
comemoração do dia da troca, do dia do professor-aluno-aluno-professor, do dia
em que comemoremos o devir amizade em qualquer relação que estivermos em vida.
Posto que o mundo se torna muito enfadonho quando apenas ficamos encarcerados
na posição de ensinar ou aprender...
domingo, 6 de outubro de 2013
AMOR FATI NIETZSCHEANO EM FERNANDO PESSOA
Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for.
(LIVRO DO DESASSOSSEGO)
SOBRE A VIDA NA ATUALIDADE...
Mata-se o presente em função de uma promessa preventiva sobre o futuro...
domingo, 29 de setembro de 2013
SOBRE O DEVIR BICICLETA E A PRÁTICA DO APOIO EM SAÚDE
Um dia, ganhamos uma bicicleta, ficamos
felizes mesmo sem saber usar tal objeto que nos faz percorrer ruas, praças e
que nos desloca por múltiplas paisagens. Saímos com ela ao lado, cheios de
emoção e doidos para experimentar as pedaladas. Talvez, ao subirmos nela é que
venha a pergunta: como fazemos isso? As primeiras pedaladas dão medo, impera a
certeza de que iremos nos esborrachar no chão, porém para sermos dignos de
pedalar temos que superar tal temor.
Ainda bem que ela vem com
rodinhas e que, normalmente, alguém nos olha e nos guia sobre como proceder nas
pedaladas um tanto desequilibradas de começo. Os dois apoios são necessários,
acoplados um no outro: as rodinhas que sustentam a bicicleta ainda bamba para
se andar com apenas duas rodas, e o olhar que nos investe de coragem daquele
que nos ensina. Ambos são determinantes para aprendermos a sentir a brisa leve
que bate no rosto em decorrência da velocidade que ganhamos no pedalar.
Aos poucos, ganhamos
independência do olhar e das rodinhas, tira-se uma primeiramente, equilibra-se
meio torto ao tirá-la, mas já não temos o mesmo medo de cair e vamos adiante.
Arriscamo-nos um pouco mais!
Certo dia, como um dente de
leite que cai de nossa boca, nos surpreendemos ao pedalarmos livremente das
rodinhas e mesmo do olhar que, sem dúvida, era o mais importante. Importante no
sentido de existir uma pessoa que acredita em nós, que nos demonstra segurança,
que aponta de maneira sensível, o quão capazes somos de pedalarmos ao longo da
vida.
A prática do apoio em saúde,
seja feito matricialmente ou institucionalmente, passa muito pelo tal do
atributo do olhar que nos investe e que nos enche de segurança e, porque não,
de alegria. A alegria de acompanhar a ser livre em determinada trajetória de
cuidado, de experienciar em conjunto uma prática que até então se tinha medo de
executar por ser demasiadamente inesperada e nova dentro do que se conhecia no
cuidar. A aprendizagem se passa pelo apoio a um mundo novo por nascer produtor
de deformidades no que se fazia instituído.
AINDA É CEDO
Um dia desses assisti
ao filme “Somos tão jovens” que trata da vida de Renato Russo, guia
musical/poético de algumas gerações brasileiras. Saí do filme angustiado, com
um nó na garganta, com a alma desacomodada e um tanto perdida frente ao mundo. Em
se tratando do filme é importante comentar que não é nada demais, com um
roteiro um tanto pobre e preocupado em fazer uma sequência perfeita da vida do
cantor. Contudo e para, além disso, o fato é que o filme foi uma rememoração do
passado, dos sonhos, das expectativas sobre a vida que já tive e que
compartilhei com muitos amigos. Sonhos coletivos, desejos revolucionários e
algumas ideologias ingênuas em épocas remotas e hoje em dia tão distantes. Literalmente
um tapa na cara frente ao que fiz com o meu destino. Em minha opinião o filme
poderia ter outro título, a saber: “Ainda é cedo”.
Ainda é cedo para
rememorar tais emoções, afetos, vontades de vida que durante a juventude eram
tão claras, brilhantes e possíveis. Olhar para esse lugar produz um susto sem
tamanho, faz repensar tudo que se viveu, todas as escolhas que foram afunilando
cada vez mais a caminhada pela vida. O processo de se “adultizar” parece, de
certa forma, nos tornar menor, quase que como se estivéssemos a cada ano sendo
espremidos pelos passos que damos no nosso percurso patético pela terra. A cada
dia escolhemos algo e essa ação mata milhões de outros possíveis, sonhos que
vão ficando no caminho. Eu sei, isso é muito re-sentimento, mas, não estamos
livres dele...
Como já escrevi, ainda
é cedo para se a ver com tais sonhos colocados para baixo do tapete, reprimidos
e transformados em fantasmas que rodam nosso cotidiano posto e acinzentado.
Parece que à medida que envelhecemos os sonhos são perdidos na mesma velocidade
que as angústias vão aumentando. É um pouco o que Freud nos traz em Mal estar
na civilização: se prevenir da infelicidade já é uma grande felicidade, isto é,
não nos produzindo angústias já está de bom tamanho para aguentar esse mundo
sem sonhos.
O sonho de liberdade
propagandeado no social é instalado desde a mais tenra infância. Na
adolescência tal ideal chega ao ápice, temos a certeza de que estamos nos
libertando cada vez mais, não se sabendo bem do quê, mas algo parece existir,
indo além do que se vive, uma esperança que no futuro a liberdade se efetivará.
Doce ilusão, ao menos para mim, não sei se todos compartilham, o sentimento é
que a cada dia se fica mais amarrado, mais dependente das escolhas que
produzimos. As escolhas nos escravizam... Como ir para outra direção depois que
nos acomodamos num determinado destino? Como voltar para trás, como correr por
caminhos desviantes depois que afirmamos escolhas ao infinito do Universo? Que
bárbaro sufocamento é essa vida! O filme Morangos Silvestres de Ingmar Bergman
trata disso também. As horas da vida vão passando e os desejos vão se esvaindo
como a areia que corre na ampola do tempo. É um sentimento de vertigem que nos
abarca ao nos darmos conta do afunilamento do viver. Andamos cambaleando pelas
calçadas como o professor exemplar de medicina Isak Borg, condecorado pela
Universidade por seus trabalhos prestados mas que não enxerga sentido para os
passos que deu ao longo da vida.
Não posso desejar nessa
produção de vida angustiante outra coisa senão um retorno à infância, lugar de
escolhas ainda rasas, que não têm um enraizamento no qual o andar fica
paralisado. A criança brinca de escolher, escolhe uma porção de coisas e depois
desiste sem a menor cerimônia. Não se cansa de percorrer caminhos inusitados,
se diverte com o estranho ao invés de se aterrorizar e, sobretudo, não se apega
a percursos já demasiadamente explorados e cotidianizados. Faço uma ode ao
devir criança para tensionar essa “adulteza” que nos deixa tão rasos de
sentidos! A estratégia é levar o acaso como potente amigo para sabermos ouvi-lo
e aproveitarmos as possibilidades que nos oferece para deslizarmos por esse
tempo-espaço que a cada dia nos constrange e nos envelhece. Deixo, para
finalizar, a música mais nietzschiana dos Los Hermanos no intuito de nos
inspirarmos...
http://letras.mus.br/los-hermanos/67551/
SOBRE O DEVIR LARGATIXA...
Mas que bobagem
fechar as janelas
por causa das
lagartixas!
Não sabes que
elas entram pelas frestas?
Da mesma
forma
Não adianta
fechar tua alma
Em devir,
Me faço
lagartixa
e te invado pelas
brechas de teu corpo!
SOBRE O POETAR E O AMAR....
O futuro é incerto
O presente incorreto
O passado passou
O que podemos fazer com tanto amor?
Poeta
Potente,
Poesia corrente...
Algo que dá até dor na mente,
Nas vias da alma.
Mas, calma!
Ao olhar para o lado
Um outro amor é desvelado
E, novamente,
De maneira a deixar contente
Um sorriso nunca antes avistado
Anuncia um novo amante...
O AMOR EM DESCRÉDITO (OU POESIA SONHADA COM CAZUZA)
Não, não
acredite no meu amor...
Ele se acabou.
Acordei pela
manhã
sentado na
varanda.
Com um copo de
uísque pela metade
e um cigarro
apago.
Nessa manhã
cinzenta,
quase que
melancólica.
Me lembrava de
tudo,
das nossas noites
atrás da porta
do quarto!
Dos sussurros
baixinhos
e do gemido
escondido,
era a união
perfeita
da música com a
letra.
SOBRE AS FLORES...
Flores de carne, flores que saem, flores de
ver e de falar também...
Flores que admiras, flores que miras,
flores que miam zen....
Sonhos que viram, olhos que piscam, ao
sonhar se tem...
Peixes que vibram, peixes libertos, abertos
ao que lhes convêm
Distintos se guiam, amigos compilam, uma
canção que vem
Violão que grita na voz que habita a
embalar seu bem...
SOBRE O ESCREVER
Realmente, a melhor escrita, ou, as melhores idéias nos alcançam em
momentos inoportunos, no caso, quando não as esperamos. Pode ser numa noite mal
dormida de insônia que resistimos fazer outra coisa senão dormir, assim como
depois de muitos goles de vinho já embriagado por Dionísio com o qual somente
encontramos linhas tortas.
O fato é que no momento da distração e até mesmo do não querer pensar é
que ocorre aquilo que desejamos escrever, mas que sempre acabamos por deixar de
lado por imaginar que existirá o momento propício para isso.
Pobre escrita que sucumbe em sua naturalidade quando ambicionamos fazer
dela uma burocratização. Os traços neuróticos que tomamos para nós como
segurança numa determinada produção somente aniquila o Ato singelo da criação.
O pior disto é que não ocorre somente com a escrita. Por comodidade
efetuamos isso por todos os lados de nossas vidas - a cercamos com arame farpado.
Atos direcionados em oposição à liberdade da invenção.
Creio que isso possa ter relação com o medo da morte, já que invenção
sempre vem acompanhada do falecimento daquilo que tínhamos programado por hora.
Logo, podemos presumir que a invenção é a maior de todas as assassinas! Mata o script ao nos jogar para o improviso.
Lugar do inesperado paradoxalmente tão esperado pelos humanos medrosos que
ficam a protelar tal instante. Como já dissera Nietzsche: Humano, demasiado
humano!
Finalizando por hora, uma última frase inspirada por Nietzsche: a
revolução, a paixão e a criação somente são possíveis em momentos de
esquecimento.
ENCONTROS, CONTOS E DESENCONTROS NO CUIDADO EM SAÚDE
Encontros e contos, contação de histórias,
produção de memórias inventivas no entre da relação de cuidado, a singularidade
da vida de cada um compartilhada em favor do encontro entre usuários e
trabalhadores de saúde. Essas são algumas ações que podemos vislumbrar como
potência de cuidado quando o encontro de saúde se passa pelo compartilhamento
da vida, pela contaminação afectiva que cada sujeito em sua alteridade
transmite ao outro. O trabalhador de saúde escapa do jaleco e dos meros
procedimentos que caracterizam sua profissão, o usuário de saúde se engrandece
e não fica reduzido a doença, assim como ganha nome, com o significado usuário/paciente
se esvaindo. A troca de contos sobre a vida nos encontros de cuidado é de uma
obra de arte insuperável, um espaço de criação de mundos com os quais se desviam
das doenças para se abrir ao outro. São sujeitos com história, percorridos por
emoções, sentimentos, medos, angústias, os quais se tornam humanos para além
das siglas que tentam separar profissionais e usuários ao se encontrarem num
estabelecimento de saúde.
A partir dos caminhos
que o SUS foi percorrendo em sua história, alguns dispositivos de cuidado
começaram a ser inventados para dar conta de determinadas intenções em como
produzir cuidado. Percebeu-se o quanto era importante acolher o sujeito em
sofrimento como um todo, em sua complexidade de vida, para dar conta de um
cuidado integral e humanizado. Como fazer isso? Que ações poderíamos elencar
como primordiais para o trabalhador de saúde chegar a tal proposta? Por que
isso muitas vezes não é feito? O que está impedido, empacado, para que não se
consiga acolher um usuário de maneira integral e humanizada?
Creio
que temos aí um processo histórico que conduziu os saberes e práticas das
disciplinas de saúde para um lugar distante daqueles que estão recebendo
cuidado, isto é, se construiu uma ideia com a qual os trabalhadores de saúde
devem ser neutros, inacessíveis aos afectos que transpassam a relação
cuidador-usuário. Ao cuidador não é permitido investir sua libido no ato de
cuidado, libido essa que é, justamente, o que nos move em vida, o que nos
possibilita estar em relação ao nos depararmos com um encontro. O profissional
de saúde “dês-libidinizado” deve se manter distante, em certo altar ao longe e
nas alturas de onde possa visualizar o usuário sem desviar seu olhar do
procedimento técnico que deve realizar. Suas ações são pautadas apenas pelos
conhecimentos que aprendera na graduação, sem a possibilidade de abrir-se para
o encontro que é provocador de invenções de novas tecnologias de cuidado – de
vida. Por isso, podemos arriscar a dizer, que tal prática anestesiadora da
libido prefere a triagem ao invés do acolhimento, a consultoria técnica ao
invés do apoio, a prática voltada para a doença ao invés da escuta qualificada
junto ao sujeito em sofrimento.
O
que está implícito nessa lógica de cuidado é o impedimento de um encontro que
envolve relacionar-se com o outro no que o mesmo tem de alteridade.
Possibilidade de diferença que desvia a história das disciplinas de cuidado e,
sobretudo, a história de vida do cuidador ali abarcado pelo acontecimento que é
o encontro com o outro. Nessa negação para com o encontro, o que se joga fora é
a história dos sujeitos que estão cara a cara na prática de cuidado, é preciso
focar-se na doença e no procedimento para sanar a questão, sem maiores
envolvimentos sobre a bagagem que cada um traz junto às relações que produz em
vida.
Saber da história do
outro nos joga para a diferença, um desassossego que tira nosso foco de cuidado
enquanto cuidadores, não vemos mais a doença, olhamos o sujeito em sofrimento
com toda a sua potencialidade de vida, padecemos juntos, e o corpo dói, se
angustia de maneira compartilhada. Somos tocados! Neste sentido, o corpo
distante do cuidador quando tocado é desestabilizado, fica desnorteado em sua
disciplina até então reguladora de suas ações, se mostra indisciplinado...
VEJA BEM...
Para abrir a musicalidade deste blog é preciso colocar uma das minhas flores favoritas...
http://www.youtube.com/watch?v=Ncm8jbmWgN4
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A TÉCNICA DE CONTROLE DO NÃO SE OLHAR
Em seu célebre livro
1984, George Orwell, mostra o extraordinário medo que os mecanismos de controle
podem produzir num social despedaçado. Os indivíduos não se olham, não se
permitem arriscarem confidenciar as angústias coletivas que os afligem e que
não podem ser enunciadas. A troca de olhar já se torna um ato subversivo. Ninguém
se olha, aliás, o controle é tão duro e efetivo que nem ao menos os indivíduos
se permitem olharem para si mesmos. Social que não se olha... Eis o mecanismo máximo de controle!
Na relação do olhar
confidenciamos, somos um indivíduo povoado pelos outros, permitimos a passagem
de afetos compartilhados. Uma sociedade que não tem a intimidade do olhar fica
sem alma, à beira da morte do que pode ser produzido enquanto diferença. O
olhar nos olhos do outro possibilita uma utopia, um ato de vislumbrar fantasmas
que assombram o real dado e cotidianizado, tido como único possível. Vemos a
partir do outro que o mundo não tem apenas um modo de fazer história. Quem tem
coragem de olhar? O risco é grande porém sincero...
O olhar para o outro em
1984 causava imenso medo, um completo desamparo frente ao ideal do social ali
imposto se instalava, um ideal produzido pelo social e enraizado até a última
profundidade do interior de cada homem. Existia o medo de ser pego, de ser
punido com torturas e mesmo com a morte. Mas, o medo maior se dava por o
indivíduo poder compartilhar com o outro o sentimento de que algo não ia bem,
de que a vida não fazia sentido diante da lógica imposta, e que se devia ter
força para inventar um desvio nesse modo de operar o social. Quem tem coragem
de olhar? O risco é o do falecimento de si mesmo...
Na troca de olhar
subversiva de 1984, além do medo apavorante que quase fazia se desistir do
olhar, existia um ato inventivo que atravessa esse momento, um instante de
discordância, de contrassenso para com aquilo que todos fingiam compartilhar
enquanto modo de viver. Mas como compartilhar com o outro sem o olhar? É
possível? Os mecanismos de controle são tão efetivos que apenas eles têm o
direito de invadir cada residência para olhar cada indivíduo. O homem é
intimidado, só podendo abaixar a cabeça frente ao controle imposto. Quem tem
coragem de olhar? O risco é de perceber que ninguém te olha/controla o tempo
todo...
A produção de um medo
individualizado e individualizante, o terrorismo de que se ficará para trás
dependendo das posições que se escolhe, a ameaça ao indivíduo que poderá perder
a sua vida caso tome uma decisão arriscada, aniquila qualquer ação coletiva,
mortifica a resistência política! O indivíduo torna-se refém de sua própria
passividade produzida ao longo dos anos e o faz desistir de qualquer ação
coletiva que coloque seu projeto de vida em risco. Suas tímidas revoltas para
com o sistema, quando se dão, são apenas metas pessoais a serem atingidas,
pois, mais do que isso seria muito esforço. O que está em jogo é a proibição
das utopias, das virtualidades que são como fantasmas a tensionar o cotidiano
posto...
SOBRE O CARTÓGRAFO...
A cartografia pode ser pensada como o
viver a vida, o viver a vida como uma espécie de atenção flutuante para as
intensidades, para aquilo que nos racha, que nos adentra e que ao mesmo tempo
nos põe para fora rumo a paisagens incomuns. E acho que infelizmente, por
sermos demasiado humanos, na maioria das vezes, só prestamos atenção para as
intensidades em momentos de fragilidades, em instantes em que a vida nos
obrigada a caminhar de maneira mais vagarosa e ao mesmo tempo sensível. O
pesquisador só é cartógrafo quando se dispõe a ser frágil. E a frase do
Guimarães é linda mesmo: qualquer amor é saúde para a doença ou, qualquer amor
é instituinte para a instituição...
SOBRE AS CONTRADIÇÕES DAS PALAVRAS...
Se a palavra inferno está mais próxima de inverno, por quê dizem que lá é quente?
SOBRE SETEMBRO...
A estrada está repleta de folhas secas trazidas pelo vento que anuncia a primavera.
Logo ali, o inverno mais frio e demorado estará vencido...
Logo ali, o inverno mais frio e demorado estará vencido...
Sobre o medo...
Ele se faz muito mais sobre o que virá do que propriamente pelo desafio que estamos a passar...
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