sábado, 9 de novembro de 2013

UM VERSO DESVIANTE NO UNIVERSO

No Universo o devir irrompe como possibilidade quando uma estrela cadente arranha o céu com a incerteza de onde irá pousar...

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

POEMA DO VAZIO


Um gosto amargo,

Coração apertado,

Corpo quente a sentir calafrios...

 

Tremo,

em sua presença,

Temo,

não haver poema

para findar meu desejo...

 

Quantas palavras para se aproximar,

Poucas palavras para se afastar,

A embriaguez dos sentidos desperdiça as palavras...

Como ficar na embriaguez sem cambalear?

Delinear o desejo em insinuações,

Delirar futuras ilusões...

 

O gosto amargo persiste,

Insiste sua presença para o incômodo não ser anestesiado,

O desassossego dessa vida é maçante,

Por vezes, intolerável!

Com o tempo fica indolor,

Mas isso ocorre quando desistimos de cultuar a dor...

 

O que nos resta neste momento?

Sofrimento pela dor perdida?

O vazio toma conta e morremos de medo por não possuir mais a dor já desinvestida...

 

A dor... O amor,

Palavras próximas e ao mesmo tempo distantes,

Só ama quem deixa doer,

Só dói quem deixa amar...

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A HORA DO SOCO E O RIDÍCULO QUE SE REBAIXA AO AMOR


 

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo...

(Álvaro de Campos – Poema em Linha Reta)

 

            Sociedade do espetáculo, cultura da imagem, da sustentação de uma performance de campeão em tudo! Difícil ser humano quando se exige um eterno acerto nos atos da vida, sobretudo, quando o desafinar frente ao pedido de perfeição é algo elementar na invenção do sujeito. Para Pessoa (BERNARDO SOARES, p.132) a “vitória é uma grosseiria”, aqueles que sempre vencem perdem a possibilidade do desalento, da solidão instalada pela derrota que fere ao apontar as fragilidades. Humanos sem alma esses que somente vencem, ficam sossegados.

            Fernando Pessoa, que em sua obra em muitos momentos faz uma ode a derrota, deseja as feridas e não o anestesiamento das dores que uma vitória pode adiar. Problematiza a perfeição instalada no homem desde os tempos plantônicos. E  parece que nos dias de hoje ainda a vontade do ideal prevalece, imagem que ganha mais força a partir dos fluxos capitalísticos que inspiram a competição desenfreada no seio do social. Competição que faz de cada ser humano um lugar do consumo de imagens vencedoras. Temos que sempre nos apresentarmos bem, ganhadores, sem espaço para insucessos. A maquiagem impera e os borrões advindos das lágrimas de tristezas escondidas num rosto bonito são deletadas, não aparecem nas fotos dos facebooks da vida. O que não é permitido surgir quando o fracasso se torna proibido?

            Pessoa nos proporciona algumas pistas... Ele sente falta de gente no mundo, de pessoas humanas, encarnadas no que é próprio da espécie, a saber, um animal que brinca, que sente medo, chora e ri, que acerta sim, mas, possivelmente, depois de muitas tentativas errantes. Esse percorrer a vida sem a intenção de ser acertivo, exato, burocrata nas relações e ações que a vida provoca parece ser a dica do que Pessoa se recente na humanidade com a qual convive:

 

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana, que me confessasse uma infâmea, que contasse um ato de covardia [...] Onde há gente no mundo?

(Álvaro de Campos – Poema em Linha Reta)

 

            Diante deste panorama podemos trazer ao pensamento o papel da clínica na atualidade. Ela que vem sendo transformada pelas tecnologias, por complexos aparelhos que mapeam o sistema cerebral, por uma variedade enorme de medicamentos sempre promovidos na mídia e com certificado científico que confirma sua capacidade de cura. Estamos quase lá anuncia o iludido preso na cela da verdade científica! Atravessado por essa lógica, por quais caminhos podemos percorrer na prática clínica, o que queremos com ela, ou melhor, o que ela pode querer?

Se a pautarmos por essa lógica do acerto, do humano sempre vitorioso, teremos uma clínica sem possibilidades de se angustiar com as perdas, com os caminhos errantes que não se sabe onde vai parar. Ela se guiaria por um tratamento que limita o humano a um traçado justo, já desenhado e previsível pelo ideal da vitória. A clínica volta-se para uma proibição das imperfeições, mingua a criação de personagens não apropriados por certa modelagem de como viver. É como a clínica das cirurgias estéticas que procura o corpo perfeito, ou, da a clínica medicamentosa que abafa os possíveis mal-estar advindos do que não se encontra tão “quadradinho” na vida.

É uma clínica que não admite a imprevisibilidade e a fatalidade de que o humano é falho/imperfeito. Só possui um personagem homogeneizante das singularidades da vida em seu discurso de “cuidado”. Tenta suprimir o humano que escreve cartas de amor ridículas, que tem angústia por coisa pouca, que é uma imensidão de sentimentos que vão da mais alta potência ao mais baixo das sensações – tenta, equilibrar o desequilíbrio do homem. É uma injeção de assossegamento...

Como atender alguém que chega impregnado de moralidades e julgamentos sobre si mesmo se não admitirmos que isso é do homem em seu fracasso relacional com a vida? Como pretender desgarrar o humano de seus medos e mesquinharias se isso também é seu, pois, na maioria das vezes, quando a hora do soco surge, nos agachamos para fora da possibilidade do soco?

            A vida que perpassa a clínica é um pouco assim, fracassada, repleta de atos ridículos que percorrem “paisagens errantes em um trajeto que ruma para a produção de sentidos”. E são esses trajetos um tanto atrapalhados,  pouco adeptos a uma modelagem, errantes por natureza, que nos tornam humanos e potentes em sempre inventar mundos, singularidades. A poesia de pessoa na sua diversidade de heterônimos parece indicar a clínica tal trajeto atrapalhado, um caminho inventivo e diversificado com o qual ainda estamos por vir a saber, que implica a cada encontro construir um mundo diferente, distante da ilusão do certo e do errado, da verdade e de suas certezas. A clínica, bem como a vida estão em processo de invenção por conta das incertezas que constituem o mundo, ou melhor, os mundos. Pessoa parece nos indicar que a cada encontro, a cada heterônimo nos é possível inaugurar um novo mundo, dasassossegar o que até então tínhamos como possível. Afinal, como Bernardo Soares mesmo comenta: “Como tudo cansa se é uma coisa definida!” (p.171).

NOVAS MANEIRAS DE FINGIR COMPREENDER O MUNDO


Como compreender o mundo? É possível fazê-lo de maneira universalizante? Humano demasiado humano... Temos uma forte atração em querer a tudo dar um norte apenas. O mundo, certamente, seria mais fácil, menos angustiante, porém, possivelmente estaria morto em poesia... Não foram poucas as tentativas de apreender o mundo diante de uma figura, de uma verdade universal que nos dissesse: é por aqui rebanho!

            Alberto Caeiro, em O Guardador de Rebanho, questiona o universalismo do Deus dono de tudo diante da natureza em sua generosa multiplicidade:

 

Mas se Deus é as árvores e as flores

E os montes e o luar e o sol,

Para que lhe chamo eu Deus?

Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;

Porque, se ele se fez, para eu o ver,

Sol e Luar e flores e árvores e montes,

Se ele me aparece como sendo árvores e montes

E luar e sol e flores,

É que ele quer que eu o conheça

Como ávores e montes e flores e luar e sol...

(Alberto Caeiro, p. 220)

 

Será que devemos nomear Deus para toda a criação do universo? Será que Deus diz sobre árvores, flores, cantos de pássaros, montes e o que mais pudermos avistar? Poderia dizer sobre as relações humanas, como se portar perante elas? Nosso poeta dá as costas para esse Deus dominador/moral e pensa que se ele ao mundo deu infinitas possibilidades de existência, da mesma forma, não sente necessidade que tais criações sejam nomeadas por seu nome.

            Contudo, Pessoa, em Bernardo Soares, não se dá por satisfeito e aponta outros possíveis lugares que têm a pretensão de dominar a verdade, de realizar um universalismo. Ele comenta: “Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela” (BERNARDO SOARES, p.66). A ciência e seu racionalismo sofre da mesma pretensão divina/platônica de alcançar o mundo das ideias – nos torna presidiários também de suas certezas.

            Pessoa, ao longo de sua obra, tensiona esses manipansos, lugares enfeitiçados de verdade, que não correm o risco de se perderem no fluxo da vida incerta. Voltando ao Platão e o lendo de maneira inversa, Pessoa expressa a incerteza da vida a partir da ideia do simulacro, daquilo que a cada passo se distancia de uma verdade posta como definitiva, despreza o mundo ideal: “Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim” (BERNARDO SOARES, P.129).

            Para o poeta, tal prerrogativa da incerteza na existência é ponto fundamental para não nos iludirmos com a vontade de verdade sobre o mundo. Escrevera ele: “É sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta”. A dúvida, a incapacidade de apreendermos o mundo enquanto verdade absoluta é o que nos move, nos embala a inventar novos mundos. É por aí que Fernando Pessoa sente a necessidade de inventar poetas, alguns próximos a ele, outros mais distantes, cada um inventando um mundo, ou, como bem poetara, cada um fingindo entendê-lo a partir de seu olhar:

 

O fenômeno da minha despersonalização instintiva a que aludi em minha carta anterior, para explicação da existência dos heterônimos, conduz naturalmente a essa definição. Não evoluo, viaJo. Vou mudando de personalidade, vou (aqui é que pode haver evolução) enriquecendo-me na capacidade de criar personalidades novas, novos tipos de fingir que compreendo o mundo, ou, antes, de fingir que se pode compreendê-lo. Por isso dei essa marcha em mim como comparável, não a uma evolução, mas a uma viagem: não subi de um andar para outro; segui, em planície, de um para outro lugar. Perdi, é certo, algumas simplezas e ingenuidades, que havia nos meus poemas de adolescência; isso, porém, não é evolução, mas envelhecimento.

 

A cada personalidade criada, um mundo aberto em suas verdades, verdades paralelas, dissonantes, conflitantes que ao longo da obra de Pessoa vão discutindo umas com as outras sem, de maneira nenhuma, chegar a um consenso. O consenso entre elas é o não senso. O importante é criar, dar diversidade ao mundo, transformando-o em mundos diversos. A vida está para além das regras que cotidianizam o mundo, ela é pulsante e em seu transitar desassossega o ocorrido regrado. Pessoa necessita de liberdade e a visualiza a partir da tensão que coloca entre o cotidiano demasiado cinza e sua poesia libertadora do pensar. Não devemos ser servos da norma, do cotidiano, a norma e seus modos de viver no mundo é que devem nos servir. Pessoa, em Bernardo Soares, oferece uma imagem poética arrasadora sobre o aproveitar-se das regras gramaticais ao fazer poesia:

 

Suponhamos que vejo diante de nós uma rapariga de modos masculinos. Um ente humano vulgar dirá dela. “Aquela rapariga parece um rapaz”. Um outro ente humano vulgar já mais próximo da consciência de que falar é dizer, dirá dela, “Aquela rapariga é um rapaz. Outro ainda, igualmente consciente dos deveres da expressão, mas mais animado do afecto pela concisão, que é luxúria do pensamento, dirá dela, “Aquele rapaz”. Eu direi, “Aquela rapaz”, violando a mais elementar das regras da gramática, que manda que haja concordância de gênero, como de número, entre a voz substantiva e a adjectiva. E terei dito bem; terei falado em absoluto, fotograficamente, fora da chateza, da norma, e da quotidianidade. Não terei falado: terei dito.

Obedeça à gramática quem não sabe pensar o que sente. Sirva-se dela quem sabe mandar nas suas expressões. (BERNARDO SOARES, 113).

sábado, 19 de outubro de 2013

SOBRE O HOMEM E A PERFEIÇÃO

O homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do cristão a perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budista a perfeição de não haver o homem.
(Fernando Pessoa)

POESIA DIONISÍACA

Com o medo do tempo que passa
Passa por mim o tempo do medo
A organização é a maneira mais privilegiada de ser medíocre...
Recomendo muito este baita filme! Repleto de poesia, delírio, amor, desformidades num cotidiano posto...

http://www.youtube.com/watch?v=XEgqpw8mPoc

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

SOBRE O DIA DO PROFESSOR OU AS HIERARQUIAS ESTÃO A FAVOR DA REGULAMENTAÇÃO DOS AFETOS


            Não presto muita atenção em datas comemorativas, soam estranhas... Tirando a comemoração de nascimentos, que me atraem creio eu pelo atravessamento astrológico que levo junto comigo, o restante das comemorações me parecem um tanto sem sentido, sem tempero. Contudo, dia 15 de outubro, que até receber o primeiro parabéns não me lembrava que era o dia do professor, me tocou, algo estranho me tomava a cada congratulação. Talvez, por ser o primeiro ano que estou “oficialmente” lecionando, ainda não me acostumei com a profissão, seu dia-a-dia, e com a própria representação do ser professor que depositam em mim. Estranhei...

            Entretanto, ao pensar sobre o dia, sobre a profissão e sobre esse encontro que ocorre no ato de ensinar-aprender, percebi que o estranhamento está para além desse processo de inauguração que passo neste ano. A primeira coisa que pensei quando me deram parabéns foi: será que existe o dia do aluno? E como separar essa dupla nas comemorações se tais atores sempre estão juntos?

            O processo de ensino-aprendizagem só existe em dupla, isto é, como já comentei, entre professor e aluno, sendo que, na verdade, ambos ensinam e aprendem um com o outro. Que pretensão achar que um professor, diante de um pouco mais ou um pouco menos de 20 pessoas somente iria ensinar e não aprender! É incrível o quanto se aprende enquanto professor ao praticar o ato de ensinar. Arrisco a dizer que aprendemos muito mais quando ensinamos do que quando estamos a aprender, se é que essa separação ainda é possível. Ao menos foi esse o sentimento que me deparei desde as primeiras oportunidades que tive de dar aula. E não precisamos ficar somente neste exemplo mais clássico advindo da instituição educação, se formos observar a relação pai-filho, mãe-filho, como poderíamos imaginar que somente a criança está a aprender e os pais a ensinar? Os pais, no ato de cuidar, são convocados a se reinventar, rever posições, ideais, afetos que até então tinham um contorno já devidamente constituído. Creio que ficam de pernas para o ar e têm que aprender a lidar com isso...

Como psicólogo, no que tange a clínica, também me parece que o processo terapêutico ocorre com a dupla, entre paciente e terapeuta, não pendendo apenas para um lado o ato de ensinar e para o outro o ato de aprender. A dupla percorre sofrimentos, angústias, inventam vida no cotidiano posto. Há ensinamento-aprendizagem mútuo! Ou melhor, a produção de um encontro analítico ocorre à medida que são percorridos os afetos de ambos, analista e analisando, cada um seu lugar, inventam em conjunto estratégias para se elevarem ao que está colocado enquanto angústia. Não há terapeuta neste mundo que não se reinvente a cada encontro com o paciente.

As relações de amizade também percorrem esse processo de ensino-aprendizagem, nas trocas afetivas entre amigos aprendemos e ensinamos. Talvez, longe dessas hierarquias de professor-aluno, pais-filho, terapeuta-paciente, a relação de amizade seja a mais potente troca de aprendizagem que pode existir, pois nela ninguém quer ensinar ou aprender com o outro, ao menos, não se tem essa pretensão. As experimentações que ocorrem com essa dupla não têm a intenção de ensinamento, e muito menos se está preocupado com certa postura que implica estar mais ou menos contido na relação de acordo com a posição que se assume como ocorre entre professor e aluno, pais e filho, terapeuta e paciente.

Exposto meu pensar, gostaria de compartilhar o dia do professor junto aos alunos e reivindicar a comemoração do dia da troca, do dia do professor-aluno-aluno-professor, do dia em que comemoremos o devir amizade em qualquer relação que estivermos em vida. Posto que o mundo se torna muito enfadonho quando apenas ficamos encarcerados na posição de ensinar ou aprender...

domingo, 6 de outubro de 2013

domingo, 29 de setembro de 2013

SOBRE O DEVIR BICICLETA E A PRÁTICA DO APOIO EM SAÚDE


Um dia, ganhamos uma bicicleta, ficamos felizes mesmo sem saber usar tal objeto que nos faz percorrer ruas, praças e que nos desloca por múltiplas paisagens. Saímos com ela ao lado, cheios de emoção e doidos para experimentar as pedaladas. Talvez, ao subirmos nela é que venha a pergunta: como fazemos isso? As primeiras pedaladas dão medo, impera a certeza de que iremos nos esborrachar no chão, porém para sermos dignos de pedalar temos que superar tal temor.

Ainda bem que ela vem com rodinhas e que, normalmente, alguém nos olha e nos guia sobre como proceder nas pedaladas um tanto desequilibradas de começo. Os dois apoios são necessários, acoplados um no outro: as rodinhas que sustentam a bicicleta ainda bamba para se andar com apenas duas rodas, e o olhar que nos investe de coragem daquele que nos ensina. Ambos são determinantes para aprendermos a sentir a brisa leve que bate no rosto em decorrência da velocidade que ganhamos no pedalar.

Aos poucos, ganhamos independência do olhar e das rodinhas, tira-se uma primeiramente, equilibra-se meio torto ao tirá-la, mas já não temos o mesmo medo de cair e vamos adiante. Arriscamo-nos um pouco mais!

Certo dia, como um dente de leite que cai de nossa boca, nos surpreendemos ao pedalarmos livremente das rodinhas e mesmo do olhar que, sem dúvida, era o mais importante. Importante no sentido de existir uma pessoa que acredita em nós, que nos demonstra segurança, que aponta de maneira sensível, o quão capazes somos de pedalarmos ao longo da vida.

A prática do apoio em saúde, seja feito matricialmente ou institucionalmente, passa muito pelo tal do atributo do olhar que nos investe e que nos enche de segurança e, porque não, de alegria. A alegria de acompanhar a ser livre em determinada trajetória de cuidado, de experienciar em conjunto uma prática que até então se tinha medo de executar por ser demasiadamente inesperada e nova dentro do que se conhecia no cuidar. A aprendizagem se passa pelo apoio a um mundo novo por nascer produtor de deformidades no que se fazia instituído.

AINDA É CEDO


Um dia desses assisti ao filme “Somos tão jovens” que trata da vida de Renato Russo, guia musical/poético de algumas gerações brasileiras. Saí do filme angustiado, com um nó na garganta, com a alma desacomodada e um tanto perdida frente ao mundo. Em se tratando do filme é importante comentar que não é nada demais, com um roteiro um tanto pobre e preocupado em fazer uma sequência perfeita da vida do cantor. Contudo e para, além disso, o fato é que o filme foi uma rememoração do passado, dos sonhos, das expectativas sobre a vida que já tive e que compartilhei com muitos amigos. Sonhos coletivos, desejos revolucionários e algumas ideologias ingênuas em épocas remotas e hoje em dia tão distantes. Literalmente um tapa na cara frente ao que fiz com o meu destino. Em minha opinião o filme poderia ter outro título, a saber: “Ainda é cedo”.

Ainda é cedo para rememorar tais emoções, afetos, vontades de vida que durante a juventude eram tão claras, brilhantes e possíveis. Olhar para esse lugar produz um susto sem tamanho, faz repensar tudo que se viveu, todas as escolhas que foram afunilando cada vez mais a caminhada pela vida. O processo de se “adultizar” parece, de certa forma, nos tornar menor, quase que como se estivéssemos a cada ano sendo espremidos pelos passos que damos no nosso percurso patético pela terra. A cada dia escolhemos algo e essa ação mata milhões de outros possíveis, sonhos que vão ficando no caminho. Eu sei, isso é muito re-sentimento, mas, não estamos livres dele...

Como já escrevi, ainda é cedo para se a ver com tais sonhos colocados para baixo do tapete, reprimidos e transformados em fantasmas que rodam nosso cotidiano posto e acinzentado. Parece que à medida que envelhecemos os sonhos são perdidos na mesma velocidade que as angústias vão aumentando. É um pouco o que Freud nos traz em Mal estar na civilização: se prevenir da infelicidade já é uma grande felicidade, isto é, não nos produzindo angústias já está de bom tamanho para aguentar esse mundo sem sonhos.

O sonho de liberdade propagandeado no social é instalado desde a mais tenra infância. Na adolescência tal ideal chega ao ápice, temos a certeza de que estamos nos libertando cada vez mais, não se sabendo bem do quê, mas algo parece existir, indo além do que se vive, uma esperança que no futuro a liberdade se efetivará. Doce ilusão, ao menos para mim, não sei se todos compartilham, o sentimento é que a cada dia se fica mais amarrado, mais dependente das escolhas que produzimos. As escolhas nos escravizam... Como ir para outra direção depois que nos acomodamos num determinado destino? Como voltar para trás, como correr por caminhos desviantes depois que afirmamos escolhas ao infinito do Universo? Que bárbaro sufocamento é essa vida! O filme Morangos Silvestres de Ingmar Bergman trata disso também. As horas da vida vão passando e os desejos vão se esvaindo como a areia que corre na ampola do tempo. É um sentimento de vertigem que nos abarca ao nos darmos conta do afunilamento do viver. Andamos cambaleando pelas calçadas como o professor exemplar de medicina Isak Borg, condecorado pela Universidade por seus trabalhos prestados mas que não enxerga sentido para os passos que deu ao longo da vida.

Não posso desejar nessa produção de vida angustiante outra coisa senão um retorno à infância, lugar de escolhas ainda rasas, que não têm um enraizamento no qual o andar fica paralisado. A criança brinca de escolher, escolhe uma porção de coisas e depois desiste sem a menor cerimônia. Não se cansa de percorrer caminhos inusitados, se diverte com o estranho ao invés de se aterrorizar e, sobretudo, não se apega a percursos já demasiadamente explorados e cotidianizados. Faço uma ode ao devir criança para tensionar essa “adulteza” que nos deixa tão rasos de sentidos! A estratégia é levar o acaso como potente amigo para sabermos ouvi-lo e aproveitarmos as possibilidades que nos oferece para deslizarmos por esse tempo-espaço que a cada dia nos constrange e nos envelhece. Deixo, para finalizar, a música mais nietzschiana dos Los Hermanos no intuito de nos inspirarmos...


http://letras.mus.br/los-hermanos/67551/

SOBRE O DEVIR LARGATIXA...


Mas que bobagem fechar as janelas

por causa das lagartixas!

Não sabes que elas entram pelas frestas?

Da mesma forma

Não adianta fechar tua alma

Em devir,

Me faço lagartixa

e te invado pelas brechas de teu corpo!

VIOLIDÃO


Na falta de um amor...violão

Para compor...solidão

SOBRE O POETAR E O AMAR....


O futuro é incerto

O presente incorreto

O passado passou

O que podemos fazer com tanto amor?

 

Poeta

Potente,

Poesia corrente...

Algo que dá até dor  na mente,

Nas vias da alma.

 

Mas, calma!

Ao olhar para o lado

Um outro amor é desvelado

E, novamente,

De maneira a deixar contente

Um sorriso nunca antes avistado

Anuncia um novo amante...

O AMOR EM DESCRÉDITO (OU POESIA SONHADA COM CAZUZA)


Não, não acredite no meu amor...

Ele se acabou.

Acordei pela manhã

sentado na varanda.

Com um copo de uísque pela metade

e um cigarro apago.

Nessa manhã cinzenta,

quase que melancólica.

 

Me lembrava de tudo,

das nossas noites

atrás da porta do quarto!

Dos sussurros baixinhos

e do gemido escondido,

era a união perfeita

da música com a letra.


SOBRE AS FLORES...


Flores de carne, flores que saem, flores de ver e de falar também...

Flores que admiras, flores que miras, flores que miam zen....

Sonhos que viram, olhos que piscam, ao sonhar se tem...

Peixes que vibram, peixes libertos, abertos ao que lhes convêm

Distintos se guiam, amigos compilam, uma canção que vem

Violão que grita na voz que habita a embalar seu bem...

SOBRE O ESCREVER

Realmente, a melhor escrita, ou, as melhores idéias nos alcançam em momentos inoportunos, no caso, quando não as esperamos. Pode ser numa noite mal dormida de insônia que resistimos fazer outra coisa senão dormir, assim como depois de muitos goles de vinho já embriagado por Dionísio com o qual somente encontramos linhas tortas.

O fato é que no momento da distração e até mesmo do não querer pensar é que ocorre aquilo que desejamos escrever, mas que sempre acabamos por deixar de lado por imaginar que existirá o momento propício para isso.

Pobre escrita que sucumbe em sua naturalidade quando ambicionamos fazer dela uma burocratização. Os traços neuróticos que tomamos para nós como segurança numa determinada produção somente aniquila o Ato singelo da criação.

O pior disto é que não ocorre somente com a escrita. Por comodidade efetuamos isso por todos os lados de nossas vidas - a cercamos com arame farpado. Atos direcionados em oposição à liberdade da invenção.

Creio que isso possa ter relação com o medo da morte, já que invenção sempre vem acompanhada do falecimento daquilo que tínhamos programado por hora. Logo, podemos presumir que a invenção é a maior de todas as assassinas! Mata o script ao nos jogar para o improviso. Lugar do inesperado paradoxalmente tão esperado pelos humanos medrosos que ficam a protelar tal instante. Como já dissera Nietzsche: Humano, demasiado humano!

Finalizando por hora, uma última frase inspirada por Nietzsche: a revolução, a paixão e a criação somente são possíveis em momentos de esquecimento.

ENCONTROS, CONTOS E DESENCONTROS NO CUIDADO EM SAÚDE


Encontros e contos, contação de histórias, produção de memórias inventivas no entre da relação de cuidado, a singularidade da vida de cada um compartilhada em favor do encontro entre usuários e trabalhadores de saúde. Essas são algumas ações que podemos vislumbrar como potência de cuidado quando o encontro de saúde se passa pelo compartilhamento da vida, pela contaminação afectiva que cada sujeito em sua alteridade transmite ao outro. O trabalhador de saúde escapa do jaleco e dos meros procedimentos que caracterizam sua profissão, o usuário de saúde se engrandece e não fica reduzido a doença, assim como ganha nome, com o significado usuário/paciente se esvaindo. A troca de contos sobre a vida nos encontros de cuidado é de uma obra de arte insuperável, um espaço de criação de mundos com os quais se desviam das doenças para se abrir ao outro. São sujeitos com história, percorridos por emoções, sentimentos, medos, angústias, os quais se tornam humanos para além das siglas que tentam separar profissionais e usuários ao se encontrarem num estabelecimento de saúde.

A partir dos caminhos que o SUS foi percorrendo em sua história, alguns dispositivos de cuidado começaram a ser inventados para dar conta de determinadas intenções em como produzir cuidado. Percebeu-se o quanto era importante acolher o sujeito em sofrimento como um todo, em sua complexidade de vida, para dar conta de um cuidado integral e humanizado. Como fazer isso? Que ações poderíamos elencar como primordiais para o trabalhador de saúde chegar a tal proposta? Por que isso muitas vezes não é feito? O que está impedido, empacado, para que não se consiga acolher um usuário de maneira integral e humanizada?

            Creio que temos aí um processo histórico que conduziu os saberes e práticas das disciplinas de saúde para um lugar distante daqueles que estão recebendo cuidado, isto é, se construiu uma ideia com a qual os trabalhadores de saúde devem ser neutros, inacessíveis aos afectos que transpassam a relação cuidador-usuário. Ao cuidador não é permitido investir sua libido no ato de cuidado, libido essa que é, justamente, o que nos move em vida, o que nos possibilita estar em relação ao nos depararmos com um encontro. O profissional de saúde “dês-libidinizado” deve se manter distante, em certo altar ao longe e nas alturas de onde possa visualizar o usuário sem desviar seu olhar do procedimento técnico que deve realizar. Suas ações são pautadas apenas pelos conhecimentos que aprendera na graduação, sem a possibilidade de abrir-se para o encontro que é provocador de invenções de novas tecnologias de cuidado – de vida. Por isso, podemos arriscar a dizer, que tal prática anestesiadora da libido prefere a triagem ao invés do acolhimento, a consultoria técnica ao invés do apoio, a prática voltada para a doença ao invés da escuta qualificada junto ao sujeito em sofrimento.

            O que está implícito nessa lógica de cuidado é o impedimento de um encontro que envolve relacionar-se com o outro no que o mesmo tem de alteridade. Possibilidade de diferença que desvia a história das disciplinas de cuidado e, sobretudo, a história de vida do cuidador ali abarcado pelo acontecimento que é o encontro com o outro. Nessa negação para com o encontro, o que se joga fora é a história dos sujeitos que estão cara a cara na prática de cuidado, é preciso focar-se na doença e no procedimento para sanar a questão, sem maiores envolvimentos sobre a bagagem que cada um traz junto às relações que produz em vida.

Saber da história do outro nos joga para a diferença, um desassossego que tira nosso foco de cuidado enquanto cuidadores, não vemos mais a doença, olhamos o sujeito em sofrimento com toda a sua potencialidade de vida, padecemos juntos, e o corpo dói, se angustia de maneira compartilhada. Somos tocados! Neste sentido, o corpo distante do cuidador quando tocado é desestabilizado, fica desnorteado em sua disciplina até então reguladora de suas ações, se mostra indisciplinado...

VEJA BEM...

Para abrir a musicalidade deste blog é preciso colocar uma das minhas flores favoritas...

http://www.youtube.com/watch?v=Ncm8jbmWgN4

A TÉCNICA DE CONTROLE DO NÃO SE OLHAR


Em seu célebre livro 1984, George Orwell, mostra o extraordinário medo que os mecanismos de controle podem produzir num social despedaçado. Os indivíduos não se olham, não se permitem arriscarem confidenciar as angústias coletivas que os afligem e que não podem ser enunciadas. A troca de olhar já se torna um ato subversivo. Ninguém se olha, aliás, o controle é tão duro e efetivo que nem ao menos os indivíduos se permitem olharem para si mesmos. Social que não se olha...  Eis o mecanismo máximo de controle!

Na relação do olhar confidenciamos, somos um indivíduo povoado pelos outros, permitimos a passagem de afetos compartilhados. Uma sociedade que não tem a intimidade do olhar fica sem alma, à beira da morte do que pode ser produzido enquanto diferença. O olhar nos olhos do outro possibilita uma utopia, um ato de vislumbrar fantasmas que assombram o real dado e cotidianizado, tido como único possível. Vemos a partir do outro que o mundo não tem apenas um modo de fazer história. Quem tem coragem de olhar? O risco é grande porém sincero...

O olhar para o outro em 1984 causava imenso medo, um completo desamparo frente ao ideal do social ali imposto se instalava, um ideal produzido pelo social e enraizado até a última profundidade do interior de cada homem. Existia o medo de ser pego, de ser punido com torturas e mesmo com a morte. Mas, o medo maior se dava por o indivíduo poder compartilhar com o outro o sentimento de que algo não ia bem, de que a vida não fazia sentido diante da lógica imposta, e que se devia ter força para inventar um desvio nesse modo de operar o social. Quem tem coragem de olhar? O risco é o do falecimento de si mesmo...

Na troca de olhar subversiva de 1984, além do medo apavorante que quase fazia se desistir do olhar, existia um ato inventivo que atravessa esse momento, um instante de discordância, de contrassenso para com aquilo que todos fingiam compartilhar enquanto modo de viver. Mas como compartilhar com o outro sem o olhar? É possível? Os mecanismos de controle são tão efetivos que apenas eles têm o direito de invadir cada residência para olhar cada indivíduo. O homem é intimidado, só podendo abaixar a cabeça frente ao controle imposto. Quem tem coragem de olhar? O risco é de perceber que ninguém te olha/controla o tempo todo...

A produção de um medo individualizado e individualizante, o terrorismo de que se ficará para trás dependendo das posições que se escolhe, a ameaça ao indivíduo que poderá perder a sua vida caso tome uma decisão arriscada, aniquila qualquer ação coletiva, mortifica a resistência política! O indivíduo torna-se refém de sua própria passividade produzida ao longo dos anos e o faz desistir de qualquer ação coletiva que coloque seu projeto de vida em risco. Suas tímidas revoltas para com o sistema, quando se dão, são apenas metas pessoais a serem atingidas, pois, mais do que isso seria muito esforço. O que está em jogo é a proibição das utopias, das virtualidades que são como fantasmas a tensionar o cotidiano posto...

SOBRE O CARTÓGRAFO...


A cartografia pode ser pensada como o viver a vida, o viver a vida como uma espécie de atenção flutuante para as intensidades, para aquilo que nos racha, que nos adentra e que ao mesmo tempo nos põe para fora rumo a paisagens incomuns. E acho que infelizmente, por sermos demasiado humanos, na maioria das vezes, só prestamos atenção para as intensidades em momentos de fragilidades, em instantes em que a vida nos obrigada a caminhar de maneira mais vagarosa e ao mesmo tempo sensível. O pesquisador só é cartógrafo quando se dispõe a ser frágil. E a frase do Guimarães é linda mesmo: qualquer amor é saúde para a doença ou, qualquer amor é instituinte para a instituição...

SOBRE AS CONTRADIÇÕES DAS PALAVRAS...

Se a palavra inferno está mais próxima de inverno, por quê dizem que lá é quente?

SOBRE O CAPITALISMO


A angústia transita pela troca de moedas...

SOBRE SETEMBRO...

A estrada está repleta de folhas secas trazidas pelo vento que anuncia a primavera.
Logo ali, o inverno mais frio e demorado estará vencido...

Sobre o medo...

Ele se faz muito mais sobre o que virá do que propriamente pelo desafio que estamos a passar...